quinta-feira, 18 de setembro de 2008

LIVRO DAS REPÚBLICAS: PARTE 2: VIRTÙ ET APPETITUS – APRENDENDO A CONVIVER COM O PRAZER




CAP. 3. VIRTÙ ET APPETITUS – APRENDENDO A CONVIVER COM O PRAZER

Jaime Antônio Sardi
[1]


“O adestramento aos prazeres é a tarefa central da Pedagogia.” Platão


Resumo: O presente trabalho objetiva levantar as estratégias através das quais estudantes universitários logram conciliar o estudo com a prática pessoal dos prazeres. O assunto é objeto de antigas discussões que recrudesceram com o advendo da chamada Pós-Modernidade: supervalorização do consumo dentro de uma lógica capitalista, transformação dos corpos em agências de prazer e/ou “máquinas desejantes”, “Pós-orgia”, cultura do contentamento, etc .O espaço do estudo é o contexto da Universidade Federal de Ouro Preto, conhecido como tendo amplas ofertas ou possibilidades favorecentes à exacerbação do prazer.

Introdução

A discussão acerca das possibilidades de conciliar a prática de prazeres com dedicação ao estudo, no mundo escolar, é antiga, mas recorrente.
E esta discussão voltou com certo vigor quando da passagem histórica do que se convencionou chamar de Modernidade para Pós-Modernidade. Mais precisamente, quando a maioria das sociedades capitalistas ingressa na sua etapa pós-industrial, onde o elemento consumo passou a ser central, desbancando o elemento trabalho. Alguns teóricos da Sociologia, como Domenico de Masi, aventam a hipótese da eliminação do trabalho, fenômeno que tem por consequência a ampliação crescente do tempo livre, do consumo, da sedução non stop ao prazer. Outros falam sinteticamente que a sociedade das indústrias deu lugar à sociedade dos shopping centers. Galbraith refere-se aos tempos presentes como sendo de cultura do contentamento e Baudrillard alude a eles com a expressão “pós-orgia”. As transformações socio-econômicas afetam diretamente as práticas pedagógicas, adentrando escolas e modificando subjetividades de professores e alunos.
Interessa-nos levantar e discutir quais são as estratégias que estudantes universitários da UFOP empregam para conciliar o estudo com a prática pessoal dos prazeres. Pode-se ler a expressão prática pessoal dos prazeres como sendo exacerbação do consumo, ampliação do tempo livre, cultura da máxima satisfação, transformação do corpo em agência do prazer, ou, ainda, “máquina desejante”, conforme expressão renomada de Gilles Deleuze e Feliz Guattari.

É opinião corrente que o contexto educacional de Ouro Preto é único no Brasil. As possibilidades de exacerbar o prazer para a juventude estudantil presente em Ouro Preto encontram-se amplamente relatadas na mídia nacional. Fundamentalmente se trata de uma somatória de eventos, estratégias de divertimento, festividades, modos de convivência e atitudes, deliberadas e muitas vezes planejadas pelos estudantes, conducentes à exacerbação do prazer.
É importante salientar que a instituição escolar não é apenas um espaço onde os jovens assimilam habilidades cognoscitivas, mas é também um espaço privilegiado para vivências pessoais, de experiências de exercício da autodeterminação, de tomada de decisões, de desenvolvimento potencial da auto-estima e autoconfiança, de identificação e de conhecimento de si. Ao lado, portanto, da aquisição das habilidades cognoscitivas, a universidade, para os jovens, é também momento de desenvolvimento das capacidades volitivas, e de vivências afetivas.

Caracterização do Ambiente Educacional da UFOP

Há uma conjugação de fatores históricos e geográficos que tornaram o ambiente universitário de Ouro Preto reconhecidamente peculiar entre as instituições de ensino superior do Brasil.
Em primeiro lugar é importante lembrar, em retrospectiva histórica, que a idéia de uma universidade em Vila Rica (renomeada Ouro Preto em 1808), apareceu no tempo da Colônia com o ideário da rebelião conhecida como Inconfidência Mineira, de 1789. Nesta época, a então Vila Rica era capital da Província de Minas Gerais. No Século XVIII a Vila Rica chegou a concentrar o apogeu do Ciclo do Ouro e por esta razão se tornara, economicamente, a mais importante cidade brasileira.
A este tempo intensificou-se a vida cultural e artística, substrato fértil para efervescer idéias de libertação em relação à dominação portuguesa. O historiador Luiz Carlos Villalta, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFOP, registra a existência de bibliotecas particulares, libertárias, libertinas e “avançadas”, de propriedade dos Inconfidentes, “iluminadas” para a época. (Villalta; 1992)
Mas a Inconfidência Mineira fracassou relativamente aos seus objetivos concretos imediatos - os rebeldes foram presos e deportados e o líder foi enforcado; somente no Século seguinte, depois da Independência, ao tempo do Império, é que surgiram as primeiras escolas profissionais: a Escola de Farmácia em 1839, a Escola de Minas em 1876, e a Escola Livre de Direito, em 1892. A Escola de Farmácia e a de Minas foram pioneiras no Brasil nas suas respectivas áreas científicas, pioneirismo que reforçou a imagem de cidade como sendo de alto significado cultural, palco de acontecimentos fundamentais da nacionalidade.
Em 1897 a capital de Minas Gerais foi transferida para a cidade planejada de Belo Horizonte, construída exclusivamente com o propósito de abrigar a sede administrativa dadas as limitações do sítio geográfico de Ouro Preto, notadamente a acidentalidade do terreno. A Escola Livre de Direito foi transferida para Belo Horizonte, mas as Escolas de Minas e de Farmácia permaneceram em Ouro Preto. Sofreram forte esvaziamento de professores e recursos financeiros, mas sobreviveram. As atas das respectivas congregações chegaram a discutir a hipótese de fechamento e de transferência; discussões sempre proteladas e hipóteses não concretizadas enfim.
Em 1919, Mario de Andrade esteve em Ouro Preto e surpreendeu-se com o grau de conservação da Cidade, de arquitetura autêntica e quase inalterada desde o século XVIII, e passa a divulgá-la, especialmente em 22, com grande alarde, durante a chamada Semana de Arte Moderna, caracterizada por um ideário de valorização da arte tipicamente nacional, em São Paulo. Em 1924, juntamente com um grupo de intelectuais como Tarsila do Amaral, Osvald de Andrade, Blaise Cendrans, René Thiollier Olivia Guedes Pentado e Godofredo da Silva Teles, Mario de Andrade revisita a Cidade, razão pela qual é considerado como lider do movimento de redescoberta histórico-arquitetônica de Ouro Preto para a sociedade brasileira. A transferência da capital de Minas Gerais para Belo Horizonte, acontecida em 1897, seguida de forte decadência econômica, ajudara a manter quase intactos, por falta de recursos para reformas e reconstrução, os prédios públicos e casario.
Entre 1930 e 1961 a Escola de Minas permaneceu vinculada à Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. A Escola de Farmácia, estadual, foi federalizada em 1950.
Mesmo distantes dos novos centros econômicos e de poder, todavia, estas duas instituições sobreviveram, contando com o peso do significado de Ouro Preto, como cidade palco de passagens históricas importantes, símbolo representativo da nacionalidade.
Em 1933, Getulio Vargas, que fora estudante em Ouro Preto nos últimos anos do Século XIX, declarou-a primeira Cidade Monumento Nacional.
A partir da década de 60 passou a haver uma febril criação de universidades públicas no Brasil. A burguesia transnacional delegara ao Estado Nacional a tarefa de preparar mão de obra para emprego no processo de acumulação de capital, estratégia plenamente exequível em regime de ditaduta militar. Assim, em 21 de agosto de 1969, o General Presidente Costa e Silva assinou o Decreto-Lei de criação da Universidade Federal de Ouro Preto, a qual passava a ser integrada pela Escola de Farmácia, de Minas e o Instituto de Ciências Humanas de Mariana, este até então pertencente à Universidade Católica de Minas Gerais.
Segundo estudo realizado através de depoimentos de pessoas que participaram da fundação da UFOP, levado a cabo pelo seu professor Romerio Rômulo, a integração em Universidade foi pensada como estratégia de sobrevivência, de salvação mesmo, para as instituições. Mas, segundo aquele pesquisador, o fato de Ouro Preto ser, desde 1933, “Monumento Nacional”, exerceu contribuição decisiva no convencimento do Ministério da Educação, através de ex-alunos junto ao Ministro Tarso Dutra, no sentido de manter vivas as instituições, instalando-as numa única universidade.
Em qualquer hipótese, efetivamente, não se pode considerar a trajetória do ensino superior em Ouro Preto de uma forma desvinculada da condição de inserção em cidade “Patrimônio Cultural Nacional” (a partir de 1933), e, ”Patrimônio Cultural da Humanidade”, por declaração da UNESCO (a partir de 1980). Este status que lhe foi conferido é econômica e culturalmente importante para Ouro Preto na medida em que contribui para atrair turistas, fazer pulular eventos culturais, ser visitada por intelectuais renomados, afluir excursões de alunos do Brasil e exterior, chamar atenção de autoridades que a convertem em cenário de espetáculos políticos, etc.. Esta atmosfera cosmopolita, aliada à presença de milhares de estudantes, ligados a UFOP, gera um ritmo frenético ao cotidiano e cria uma efervescência cultural mais ou menos permanente.
No final da década de 70 a Universidade colaborou , através da contratação de de serviços de arquitetos, com a UNESCO, quando aquela instituição internacional coletava dados para subsidiar a declaração de Patrimônio Mundial.
A partir de 1997, a Administração da Universidade adotou uma política de duplicação do número de cursos de Graduação e Pós-graduação, providência que aumentou número de alunos, passando de 2.400 naquele ano, para mais de 5.000, no ano 2000, gerando por conseguinte, crescimento significativo de novas “repúblicas”, de propriedade particular.
Como em nenhum outro lugar no Brasil, as “repúblicas” de moradia estudantil de Ouro Preto são permanentes, no sentido de que não se dissolvem quando um grupo de alunos conclui os estudos. Os ex-alunos, por tradição, visitam-nas, em retorno, regularmente, mesmo depois de décadas de formados. Há esforços organizativos com o propósito de manter proximidade entre formados e não formados, desenvolvendo compromissos de entrosamento na vida profissional.
Com uma trajetória de mais de um Século, as “repúblicas estudantis” adquiriram, no Brasil, visibilidade em razão dos seus fortes traços característicos, tipificados em modus vivendi específico, e citados frequentemente na imprensa nacional:
“A história das repúblicas de Ouro Preto é única no Brasil, e só em Coimbra, Portugal, se tem notícia de algo parecido. Geridas pelos estudantes, estão instaladas em casarões comprados pela Universidade, e tem até presidente. Ali funciona uma rígida hierarquia comandada pelo ‘decano’, o morador mais antigo”. ( Revista Semanal Isto É de 21/10/98: pp.70-71)
A direção da UFOP reconhece as “repúblicas” como território estudantil autônomo. Em boletim oficial divulgado em 1999, por ocasião dos 30 anos de UFOP, assim se expressa:
“As ‘repúblicas’ estudantis são autogovernadas (res publica = coisa pública). Em 1897, quando a capital do Estado de Minas Gerais transferiu-se para Belo Horizonte, muitas casas do centro histórico de Ouro Preto foram abandonadas pelos seus moradores em consequência do esvaziamento econômico, e, então, os estudantes das Escolas de Minas e de Farmácia ocuparam-nas e conservaram-nas. A partir dos anos 50, integraram-se ao patrimônio das instituições e hoje 72 delas pertencem à Universidade. As ‘repúblicas’ de Mariana foram construídas na década de 80”. ( UFOP:1999).
De uma forma descritiva, e sem conseguir ser esgotativo, traçamos um roteiro característico do modus operandi das “repúblicas”. Lembramos que a UFOP e este mundo das “repúblicas” formam uma unidade contextual indissociável, tantas são as interpenetrações de influências entre si. Modificações em quaisquer elementos de uma ou de outra trazem implicações sobre o contexto do sistema educacional.
Para conhecer este roteiro característico, compilado pelo pesquisador e um grupo de alunos, veja o Anexo 1.
Pelos relatos do roteiro constante do Anexo I, neste trabalho, pode-se aventar a hipótese de que a “REPÚBLICA”, res pública, coisa pública - fenômeno típico de Ouro Preto - é um espaço onde podem acontecer processos variados de aprendizagem, que vão desde aquisição de sociabilidade, passando por solidariedade, capacidade de subordinação às regras de grupo, capacidade de renúncia a certos interesses individuais para lograr adequar-se a ordenamentos hierárquicos coletivos. Embora não tenham sido criados com propósitos pedagógicos, elas existem em função de uma instituição pedagógica.
Atitudes e valores como a direção das vontades, exercício repetido de esforços volitivos, conhecimento de si, autodeterminação, autorregulação, não são ensinados diretamente nas salas de aula da UFOP, mas podem ser aprendidas no mundo das “repúblicas’.
Também pode haver aprendizagens decorrentes de experiências pessoais negativas. Assim, espaços de fomento à democracia, e de arbitrariedades; espaços de cooperação e de competição, de identificação, e de rejeição, também fazem parte da realidade cotidiana de uma “república” de Ouro Preto.
O historiador Otávio Luiz Machado Silva, coordenador de pesquisa relativa à “Reconstrução Histórica das Repúblicas de Ouro Preto” , em 2000, acredita que “república” é :

“um lugar de grande aprendizagem, um dos poucos na vida universitária que permitem o debate e uma vivência cultural, e onde o individualismo é reduzido e os projetos coletivos estimulados”. E acredita ainda que a “república” é constituída de estudantes que carregam uma história de rebeldia, de luta, de sonhos, aprendizagens, ousadias, e, acima de tudo, cidadania, pois ali se aprende o sentido da democracia, com todos os conceitos e atitudes que comporta: participação, diálogo, reivindicação, busca de um consenso, respeito pelo outro e pela diferença” (O TEMPO; 17.03.2000).

O enfrentamento das regras burocráticas, dos rituais e regimentos escolares, as solenidades, a convivência interpessoal dentro de uma multiplicidade de visões de mundo, o exercício da autodisciplina, a moradia coletiva, a organização e usufruto de festas, são experiências importantes no desenvolvimento dos jovens, e via de regra, acontecem fora do espaço das salas de aula, mas em torno delas. A atmosfera do campus - no caso de Ouro Preto incluindo a convivência na Cidade tombada – exerce influência singular sobre os estudantes. Trata-se de uma influenciação educativa que ultrapassa o espaço restrito das salas de aula.



Pressupostos

Entendemos como ambiente de exacerbação do prazer as atitudes pensadas, planejadas, deliberadas, objetivando gerar aportes crescentes de prazer aos seus participantes.
É pressuposto que a passagem dos estudantes por este meio psicossocial (da UFOP), caracterizado de um lado pelo permanente convite ao prazer, e de outro, pelas exigências escolares, produz subjetividades singulares.
Empiricamente se observa que para os estudantes é recorrente, neste ambiente, a necessidade de exercer atitudes volitivas – de autorregulação - constantes sobre si. Os teóricos da Pedagogia admitem outrossim que os processos educativos não se dão apenas nas relações aluno-professor, mas nas relações aluno-aluno. Neste sentido o convívio dos estudantes em tal ambiente gera experiências pessoais conducentes à aquisição de certas habilidades e atitudes como conhecimento de si, sociabilidade, autodisciplina
Entendemos subjetividade como sendo o jeito próprio com que cada sujeito, a partir de sua história, se apropria dos conteúdos de seu ambiente, dá-lhes sentido, age nele modificando-o, e modificando-se a si mesmo.
Cada sujeito vivencia o mundo e interpreta os fatos de uma maneira única e irrepetível.
Por ser subjetivo, o que se constitui em prazer para um sujeito, pode não ser para outro. A experiência do prazer é uma dimensão metodologicamente aconselhável de ser tratada fenomenologicamente. Isto porque enquanto os métodos das ciências físicas e naturais, autoproclamados científicos, exigem repetitividade, controle, causalidade, e previsão, as experiências pessoais humanas, por serem únicas e irrepetíveis, exigem outro tipo de tratamento metodológico. Phenomenon + logos significa literalmente o discurso sobre aquilo que se mostra como é. Husserl, seu criador, em 1945, na obra A Filosofia como Ciência do Rigor, propôs o fim da naturalização da consciência, uma vez que fatos psíquicos não se equiparam aos fatos físicos.
A Fenomenologia propõe qualidade antes de quantidade, significado antes de mensuração, respostas intencionais ao invés de reações comportamentais, observação participante ao invés de observador independente.
A Escola pode também ser considerada uma instituição de “produção das subjetividades”, tomando a expressão empregada por Félix Guattari, em razão do seu papel socializador. Ela propõe repertórios previamente pensados, sistematizados, uniformizados, buscando que os alunos façam adesão a um certo tipo de visão do mundo, reproduzindo a realidade econômica e social. Ela acaba por fazer convergir de modos de ver o mundo, senti-lo, agir nele. Todavia, a apropriação dos conteúdos é singular em cada sujeito, o qual os processa a partir de sua própria subjetividade. O sujeito combina peculiarmente os conteúdos de natureza cognitiva com os conteúdos de natureza afetiva. E então os propósitos direcionadores presentes na escola acabam transformados em singularidades subjetivas.
Alguns teóricos da Pedagogia, com os quais concordamos, assumem que esta ciência tem por objeto o fenômeno educativo sistematizado, organizado e dirigido, objetivando a formação integral do homem. E a formação integral objetiva a formação da personalidade. A instrução (educação no sentido estrito de escolarização) se restringe à aquisição de conhecimentos e habilidades por parte dos educandos, enquanto que a educação (em sentido amplo) abrange ainda a formação de valores e os aspectos afetivos do sujeito.
O professor Valdes Ramos, da Universidade Pedagógica de Villa Clara, Cuba, elaborou indicadores nos quais há uma certa coincidência entre personalidade desenvolvida e capacidade de autorregulação, exercício de atitudes volitivas, autoderterminação. Sintetizamos aqueles indicadores conforme segue:
1 - – Nível de conhecimento de si mesmo ou desenvolvimento da autoconsciência.
2 - Atitudes ativas e transformadoras adotadas pelo sujeito perante a vida.
3 - Aquisição progressiva de autonomia e auto-derterminação nas opiniões e juízos de valor.
- Desenvolvimento que o sujeito alcançou na capacidade de regulação indutora e executora.
- Capacidade para regular a conduta através de: a- Projeção de si em relação com o futuro; b- nível de elaboração pessoal nos juízos de valor e reflexões; c- capacidade de exercer esforços volitivos estáveis, determinados, no processo de concepção, e consecução de objetivos; d- flexibilidade para cambiar decisões, projetos, adequando-os a situações e exigências novas colocadas pelo meio.
6 – Capacidade para estabelecer um sistema de relações com o meio, sendo capaz de harmonizar aspectos sociais com aspectos individuais.

A idéia do especialista demonstra uma tendência, tanto na Pedagogia, quanto na Psicologia, orientada em enfatizar o papel protagônico do aluno no processo educativo, destacando a autorregulação (autodeterminação) como elemento essencial do desenvolvimento da personalidade.
Por estratégia auto-reguladora entendemos tratar-se de uma orientação intencional, consciente, que proporciona uma regulação geral das atividades, dando sentido e coordenando as providências necessárias para alcançar um fim, levando em consideração as características de cada contexto e circunstâncias concretas.



Metodologia

No segundo semestre de 1999 apresentamos a proposição abaixo reproduzida objetivando conhecer como os estudantes percebem as suas experiências de conviver em um ambiente de exacerbação do prazer, se tal ambiente efetivamente existe na percepção deles, e quais estratégias aplicam para conviver em tal realidade.
O levantamento dos dados consistiu de 33 depoimentos de alunos de variados cursos matriculados nas disciplinas Organização e Administração Industrial I, ministrada na Escola de Minas, e Economia e Administração, lecionada na Escola de Farmácia. Os depoimentos eram optativos, no sentido de que respondiam apenas os alunos que assim o desejassem. Assegurou-se sigilo e o enunciado foi o mais genérico possível, exatamente para permitir ampla elaboração pessoal por parte dos estudantes.

Eis o texto do enunciado:
Percepções de alunos sobre os processos educativos a que estão submetidos durante a passagem pelo sistema educacional da UFOP:

Descreva e comente aspectos de sua vivência pessoal de conciliação do estudo (exigências escolares) com o exercício dos prazeres, que considera mais significativos, acontecidas durante sua vida estudantil na UFOP.
Curso: sexo: idade:
A proposição foi apresentada em sala de aula pelo próprio pesquisador, em folha própria com o enunciado no cabeçalho; e pediu-se a devolução no prazo de uma semana, em de outubro de 1999.Foi dito que o objeto das respostas seria uma pesquisa em Educação.
Uma vez tomados e lidos os depoimentos, o pesquisador, a partir do que considerou como significativo, identificou e discriminou os seguintes itens ou unidades de análise:
1 – A existência efetiva de ambiente de exacerbação do prazer
2 - Os tipos de prazer mais citados
3 – Estratégias de conciliação estudo x prazeres
Posteriormente, na sequência da interpretação dos depoimentos, houve uma discussão grupal entre os depoentes e o pesquisador.


UNIDADE 1

A Existência Efetiva de Ambiente de Exacerbação do Prazer

Esta unidade de análise confirma que a existência de um ambiente de exacerbação do prazer é compartilhada pelos estudantes não um ponto de vista isolado e exclusivo da percepção do pesquisador.

Depoimento 1 – “Conciliar a vida estudantil com o exercício do prazer em Ouro Preto não é uma tarefa muito fácil. As opções de festa e divertimento são muitas, e, não raramente acontecem durante a semana...”.

Depoimento 2 - “Por ter muitas festas, reuniões em “repúblicas” ou coisas do gênero, o estudante......se sente perdido entre tantas badalações”.

Depoimento 3 - “Em Ouro Preto, mais que uma Universidade Federal, há uma universidade da vida. O lado “social”, amigos, visitas e badalações; se desenvolve...”

Depoimento 5 - “Não tinha nenhuma noção do que era a vida estudantil ouropretana, no início levei um choque, mas depois acabei me adaptando”....”Saio todos os finais de semana (às vezes começando na Quinta-feira), sempre bebo muito, às vezes dou vexame; mas os estudos também tem o seu espaço”.

Depoimento 9 – “Dessa forma, o convite intensivo (ao prazer) que existe em Ouro Preto não prejudica os meus rendimentos escolares”.

Depoimento 11 – “Apesar de Ouro Preto ser uma tentação para a orgia, mulheres, bebidas, liberdade......”.

Depoimento 12 - “Quando cheguei em Ouro Preto já tinha ouvido falar que Ouro Preto, por ser uma cidade turística, oferecia muitas festas, diversões, golo, etc....”.

Depoimento 13 – “ tinha ouvido falar que havia muitas festas nas repúblicas, o que comprovei no período em que estive fazendo vestibular”.

Depoimento 15 – “No pouco tempo em que estou aqui, vi tantas festas como nunca tinha visto em toda minha vida”.

Depoimento 16 – “....observo muito em OP é que a vida de um estudante de república, principalmente federal, é muito complicada.....Há muitas festas, som alto, etc. ....coisas que para quem gosta é difícil ficar fora...”

Depoimento 18 - “É verdade que em Ouro Preto os estudantes têm uma vida muito agitada, com inúmeras festas.....durante o período de aulas é comum alunos que não vêm às aulas por terem ficado até tarde em festas”.

Depoimento 21 – “Realmente acho Ouro Preto um pouco fora do normal. Os namoros onde as pessoas vivem como casados, o excesso e a liberdade das drogas e muitas outras coisas são para mim, fora de realidade”....”Acho Ouro Preto a verdadeira escola da vida, onde temos tudo que queremos, fazemos o que queremos e vivemos a vida como ela deve ser vivida".

Depoimento 22 - “A vida em Ouro Preto é engraçada pois os estudantes (a maioria) estão aqui para se divertir e em segundo (se der tempo) se formar em um curso superior”.

Depoimento 24 - “Nós alunos do PET-Farmácia fizemos um levantamento do uso de drogas na UFOP e correlacionamos com o fato da pessoa estar no período ideal. Os resultados mostraram que há uma relação muito grande com os usuáios de drogas e o fato de não estarem no período ideal. Cerca de 98% dos alunos usam álcool, e 39% dos homens e 33% das mulheres fumam maconha”.

Depoimento 25 - “A vida acadêmica dos estudantes da UFOP é cheia de peculiaridades, coisas que se vêem apenas aqui”.

Depoimento 26 - “Ouro Preto tem muita festa para tentar encobrir, atenuar e enganar os forasteiros quanto ao ar sombrio e pesado dessa cidade sofrida. Há festas (batidão e camofas) para sair da rotina...”.


Depoimento 32 - “A vida do estudante de Ouro Preto é em especial atribulada quando se menciona o fato de termos aproximadamente 10 (dez) grandes festas em Repúblicas: festas do 12 (doze) e 21 (vinte-e-um) alternando-se em semestres e festas nacionais como o Carnaval, Festa junina, e outras; todas preenchendo o calendário com verdadeiras orgias alcoólicas onde os presentes confluem em um so pensamento....”

Síntese de Reflexões sobre a Existência de Exacerbação do prazer

A quase totalidade dos depoimentos revela que existe de fato um ambiente de exacerbação do prazer no contexto educaional da UFOP.
A primeira tematização que se nos coloca é se a existência de tal ambiente de exacerbação de prazer não seria apenas uma imagem alardeada e divulgada amplamente, construída pelos meios de comunicação, e repetidamente reforçada; restando daí um estereótipo não exatamente coincidente com a realidade.
Uma caminho capaz de responder a tal indagação é a manifestação generalizada entre os estudantes depoentes, a partir da memória vivencial, de que o ingresso no contexto de Ouro Preto significou uma ruptura em relação ao ambiente de onde provinham. Neste caminho vários depoimentos correm, dos quais citamos apenas dois: “no pouco tempo que estou aqui, vi tantas festas como nunca tinha visto em toda minha vida.” (dep.15 – masculino – 18 anos – Ciências da Computação) ; ou ainda “por ter muitas festas, reuniões em ‘repúblicas’ ou coisas do gênero, o estudante.....se sente perdido entre tantas badalações.” (Dep. 2 – feminino - Biologia – 19 anos).
Para o pesquisador, há o alarde dos meios de comunicação reforçando a imagem de exacerbação no contexto de Ouro Preto, e há também exacerbação factual. O Carnaval que se realiza na Cidade é um exemplo de fama que se auto-alimenta. É exacerbado e por ter divulgação sobre a sua natureza exacerbada, é ainda mais procurado. Como a Cidade, a Universidade e seus estudantes, formam uma unidade indissociável, há uma mútua alimentação da fama. Além dos depoimentos dos estudantes-sujeitos que autenticamente protagonizam este lebenswelt (mundo-vida), incluímos anda no corpo deste trabalho transcrições de passagens a respeito emitidas por meios de comunicação de massa brasileiros.
Outra tematização a respeito da existência de um ambiente de exacerbação de prazer refere-se à sua natureza espontânea ou deliberada, bem como sua continuidade histórica mantida ao longo de tantas décadas. Efetivamente as iniciativas prazerosas são conduzidas pelos próprios estudantes, conduzidas e executadas por eles. Todavia os depoentes falam daquelas iniciativas como sendo providenciadas por outrem, sendo eles apenas coadjuvantes simplesmente a acompanhar o ritmo existente. A referência se dá a partir da terceira pessoa do plural: “eles (os estudantes) têm uma vida muito agitada”, ou “eles estão aqui para se divertir”. Embora diversos depoentes manifestem sua participação nos eventos, poucos são os depoentes que avocam para si a iniciativa pela geração de atividades conducentes a estados prazerosos, como festa, por exemplo. O pesquisador indagou dos estudantes sobre estas atitudes de auto-exclusão nos processos de tomada de iniciativa e de administração organizacional das festas. Os estudantes presentes à discussão grupal disseram não saber responder o por quê. O pesquisador então provocou-os à seguinte reflexão: Não poderiam tais atitudes ser interpretadas como sendo reflexo de valores cristãos auto-culpabilizantes arraigados na nossa sociedade? Responderam que nunca haviam pensado a partir desta perspectiva, mas que poderia ser uma explicação plausível.
Esclarecemos que consideramos o prazer como sendo um estado de consciência ou sensação derivada da fruição ou expectativa do que é considerado bom ou desejável. É ainda deleite, gozo, gratificação, comodidade biopsíquica isenta de pressões ou exigências; exatamente o contrário de dor, privação. E consideramos que a exacerbação do prazer é uma somatória de eventos, atitudes, comportamentos, atos – conscientes e deliberadas ou não - objetivando fomentar e intensificar o desejo e a respectiva saciação.
Há um conjunto significativo de depoimentos nos quais transparece que o contexto universitário de Ouro Preto, a partir já das interações iniciais que o estudante realiza com o “sistema de prazeres”, promove uma ruptura na trajetória dos sujeitos. Num primeiro momento, o de chegada, os estudantes manifestam surpresa com a quantidade de festas e oportunidade prazerosas disponíveis. Enquanto alguns afirmam que nunca viram tanta festa ao longo de sua vida, outros deixam transparecer que as festividades vão além do que se tinha como expectativa, que “Ouro Preto é uma tentação para a orgia”. A declaração de surpresa presente em diversos relatos deixa transparecer ainda que, em certa medida, o ambiente de origem do estudante era mais sóbrio, comedido, contendo interdições.


UNIDADE 2

Os Tipos de Prazer mais citados

Através desta unidade de análise se pode conhecer quais elementos são sentidos como prazerosos pelos sujeitos. Verifica-se que o estudo em si não é considerado um ato prazeroso e que a maioria dos prazeres referem-se a atividades de cunho visceral, sócio-corporal, de consumo em ambiente social.

Depoimento 1 - “...festas...”
Depoimento 2 - “...vida social...”. “....festas....”. “...bebidas...”. “...drogas mais pesadas...”.
Depoimento 3 - “...lado social...”. “...ócio...”. “...amigos...”. “...visitas e badalações...”. “...pequenos encontros...”.
Depoimento 5 - “...noitadas no CAEM...”. “...festas de república...”. “...LSD...”. “...a República...”.
Depoimento 7 - “...sair...”. “...beber...”. “...chegar em casa de madrugada...”. “...festinha...”. “...cineminha...”. “...namorar...”.
Depoimento 8 – “...festas, CAEM...”. “...Teatro, shows, literatura...”.
Depoimento 9 - “...namorado...”.
Depoimento 11 – “...festas...”. “...menina...”. “...cerveja...”. “...maconha..”.
Depoimento 12 - “...festas...”. “...golo...”. “...mulheres...”. “...coleguismo...”. “...amizade...”. “...companheirismo...”.
Depoimento 13 – “...bebedeira...”. “...mulheres...”. “...festas...”.
Depoimento 14 – “...ouvir música...”. “...navegar pela Internet...”. “...meus familiares...”.
Depoimento 15 - “...festas...”.
Depoimento 16 – “...sair à noite, cachoeiras, viagens, etc...”.
Depoimento 17 - “...festa, não faço nada (nada mesmo)..”.
Depoimento 18 - “...festas...”. “...farras...”.
Depoimento 19 – “...ser um dos melhores alunos da UFOP;”.
Depoimento 21 - “...festas...”. “...rock...”.
Depoimento 22 - “...sair com meus amigos, gosto de ouvir música e ver televisão...”.
Depoimento 25 - “...festas, reuniões, almoços...”.
Depoimento 27 - “...festas, orgias...”. “...Eros...”. “...trabalhar e estudar...”.
Depoimento 31 - “...álcool...”.
Depoimento 32 - “...satisfação dos desejos carnais...”. “...tomar golo até cair...”. “...poder morar em república...”. “...transar até não aguentar (com camisinha) ...”.
Depoimento 33 – “...ócio...”. “...jogar bola...”.

Síntese de Reflexões relativamente aos tipos de prazer
Os reclamos das vísceras estão em primeiro lugar entre os tipos de prazer citados. As festas - espaços de encontro - que concentram apelos musicais, bebida, relaxamento corporal, gula e sensualidade, a um so tempo, encabeçam a lista dos prazeres.
As expressões “badalação”, “lado social”, “farras” significam, no contexto, também festa.
Estão presentes nos depoimentos quatro categorias básicas de prazer: (1) os prazeres relativos ao corpo derivados de experiências sensoriais agradáveis: sons, emprego de psicotrópicos, visão, tato, sexo, gula, conforto físico. (2) Os prazeres referentes às relações interpessoais: ser estimado, fazer-se acompanhar de pessoas agradáveis, lograr identificações positivas com os colegas, conversar relaxadamente, frequentar espaços de sociabilidade. (3) Os prazeres relativos ao ambiente: Transformar o meio, inventar objetos, organizar eventos, resolver problemas, gerar iniciativas e produzir novidades. (4) Os prazeres referentes ao Eu: Sentimentos de auto-respeito e autoconfiança, sentir-se desafiado, sensação de realização, descobrir o seu lugar no mundo circundante, estabelecer valores e opiniões aceitas coletivamente.
Registre-se que há apenas um estudante afirmando obter prazer em estudar. Outro afirma que considera prazeroso ser “um dos melhores alunos da UFOP”, todavia não se depreende se tal propósito tem a ver com o estudo ou com vaidade.
Observa-se ainda que três estudantes do sexo masculino citam as mulheres como objetos considerados prazerosos (depoimentos 11, 12, 13). O inverso não acontece. Provocamos uma resposta para tal fato, durante a discussão grupal. Houve concordância que tal fato se deve à existência de uma cultura denominada de “machista” na sociedade brasileira, presente inclusive nas mentalidades das novas gerações.





UNIDADE 3
Estratégias de Conciliação Estudo x Prazeres

Nesta unidade de análise podemos conhecer como cada sujeito trata de desenvolver estratégias de enfrentamento no ambiente que, simultaneamente, de um lado, pressiona os jovens para que estudem, exigindo resultados acadêmicos satisfatórios, e de outro, convida à pratica dos prazeres.

Depoimento 1 – “É necessário priorizar, nos momentos adequados, as opções (festas) oferecidas”.
Depoimento 2 - “...o estudante não consegue de imediato conciliar suas atividades estudantis e sociais”.
Depoimento 3 - “Como ainda meu interesse pelos estudos continua acima da minha vontade de curtir o ócio e ‘andar metida em súcias’, abdico as tão badaladas festas e reuniões socias.”
Depoimento 4 - “Primeiramente eu faço minhas obrigações escolares, e so depois é que eu me dedico à satisfação dos meus prazeres”.
Depoimento 5 – “Meus estudos sempre tiveram prioridade, nunca peguei uma final, não catei uma cadeira, nem a perdi. (...) Consigo conciliar.
Depoimento 6 - “...optei por morar sozinha, e não sou obrigada a participar de festas semanais. (...) Faço o que posso pra me divertir, tentando não abusar do que se encontra disponível neste ‘sistema de prazeres’.
Depoimento 7 - “Tenho hora para tudo; sou muito metódica. (...) é claro que é preciso recusar algumas horas de lazer, porque senão os estudos vão se acumulando e depois é muito difícil recuperar o tempo perdido de uma so vez” .
Depoimento 8 - “...resolvi alugar uma casa e morar com uma amiga. O resultado foi muito bom”.

Depoimento 9 – “Essas oportunidades (de prazer) são muito tentadoras e acho que é por isso que quase não fico aqui. (...) priorizo em minha vida meus estudos, minha família...”.
Depoimento 11 - “existe forma de conciliar isso com o estudo, basta querer. No meu caso eu passo o dia todo na escola, assistindo aula e estudando, e so à noite “saio para a vida”. Quando chega a época de provas, na república, a maioria estuda, mais ou menos 15 dias direto, sem gandaia. Quando é época de festas todos caem na gandaia e portanto não existe interferência no estudo”.
Depoimento 12 - “...para termos sucesso nos estudos, temos que separá-los das festas, dos golos e das mulheres”.
Depoimento 13 - “...aluguei uma casa, que é tranquila..”.
Depoimento 14 – “Quando é momento de estudo, me dedica integralmente a essa tarefa”.
Depoimento 15 - “...aprendi com o mais velhos....aproveitar a vida, mas sempre que as obrigações estiverem cumpridas, ou seja, em primeiro lugar os estudos, depois a diversão”.
Depoimento 16 - “No meu caso pessoal essa conciliação é feita de uma forma tranquila pois moro em casa particular com apenas mais uma pessoa. (...) Falta também na UFOP uma preocupação com criação de eventos culturais (peças teatrais, dança, palestras) que poderiam fazer com que esta rotina não muito produtiva de festas, festas, bebederia, etc, fosse quebrada”.
Depoimento 17 - “Nos momentos de provas, trabalhos, palestras, gasto todo o meu tempo concentrado nestas tarefas”.
Depoimento 18 - “....restringindo os dias de farra a Sexta e Sábado, no máximo. (...) ... estando concentrado, em lugar tranquilo seu estudo rende muito mais”.
Depoimento 19 - “Vontade, raça, disposição para que tudo seja concluído não me falta. (...) Um destes objetivos é ser um dos melhores alunos da UFOP. (....) Estou disposto a abrir mão de qualquer espécie de lazer para que isso aconteça (atingir esse objetivo)”.
Depoimento 20 - “...basta que o aluno tenha força de vontade para fazer as duas coisas”.
Depoimento 21 - “Sempre gostei e gosto muito de rock, mas na hora de estudar, sento e estudo. (...) Acho OP a verdadeira escola da vida. (...) A vida tem que ser levada com prazer e responsabilidade”.
Depoimento 22 – “resolvi não ‘batalhar’ vaga e fundar então a minha república. (...) Você tem que priorizar certas coisas em detrimento de outras”.
Depoimento 23 – “Assim, para levar uma vida acadêmica sadia e produtiva, procuro traçar metas que muitas vezes podem me privar de prazeres mas sempre penso no bem que essas privações podem vir a me fazer no futuro e acabo me conformando com as exigências escolares impostas pela Universidade. (...) Também é importante não se privar totalmente dos prazeres”.
Depoimento 24 – “...é so ter equilíbrio. O que acontece muitas vezes é que as pessoas exageram nas diversões”.
Depoimento 27 - “...não deixo que os prazeres de Ouro Preto dominem minha vida, saber ponderar em OP é fundamental”.
Depoimento 29 - “...dosar, definir a hora de estudar e a hora de se divertir”.
Depoimento 30 - “...continuo residindo com meus pais...”.
Depoimento 33 – “...resistir com muita disciplina...”.


Síntese das reflexões sobre as Estratégias de Autorregulação
Nesta unidade de análise, onde ficam demonstradas as estratégias pessoais dos estudantes de Ouro Preto com vistas a lograr conciliar estudo e prática pessoal dos prazeres, podemos perceber grande variabilidade de atitudes e comportamentos. Alguns estudantes são vigilantes nos exercícios de volição. Outros, todavia, produzem alterações exteriores, ambientais, para fugir dos convites à prática dos prazeres. Assim, por exemplo, enquanto alguns alunos passam a morar sozinhos, chegando ao extremo de ter de abandonar as “repúblicas”, outros assumem pessoalmente a determinação de subordinar-se - sem deixar de descartar por completo práticas de prazer - ao objetivo maior de concluir os respectivos cursos.
Os depoentes, todos, afirmam ser capazes de autorregular-se, conciliar os estudos com os prazeres, e atender às exigências institucionais relativas ao desempenho acadêmico satisfatório. Estes mesmos depoentes declararam em outra oportunidade – Unidade de Análise 1 - que há exacerbação do prazer na UFOP. E estes mesmos depoentes, em discussão grupal, recomendaram, que se providenciasse, entre outras medidas, o oferecimento de uma disciplina sobre Conhecimento de si, Autodeterminação e Exercício de Atitudes Volitivas, para os próximos alunos que ingressarem na UFOP.
O pesquisador refletiu exaustivamente sobre as aparentes contradições nas declarações, firmando, ao final, opinião, segundo a qual, não há contradição. O pesquisador ainda conversou individualmente com dois depoentes para aprofundar-se no esclarecimento da questão. E também introduziu o assunto durante uma discussão grupal. Observamos, tanto nas conversas individuais quanto na discussão grupal que: (1) é fato indiscutível para eles que há exacerbação do prazer que pode prejudicar o desempenho acadêmico; (2) Há uma tendência, nas declarações, em excluir-se, desejo de estar longe do fracasso acadêmico, fuga de culpas; (3) a necessidade de conciliar exigiu fortes sacrifícios, pois tiveram que improvisar, com ensaio e erro, estratégias de adaptação e reestruturação; (4) os maiores problemas de conciliação acontecem nos dois primeiros anos, fase da qual os depoentes já passaram; (5) que a disciplina proposta seria uma maneira de favorecer os novatos, muitos dos quais se evadem, ou remanescem há anos na fase básica do curso. E por estarem ausentes dos presentes depoimentos não puderam descrever suas próprias histórias de dificuldades. (6) Por fim, os depoentes acrescentaram que conhecem diversos casos de colegas que não conseguiram conciliar, não chegando onde estes (os depoentes) chegaram (últimos anos dos cursos) .
O pesquisador, participante da realidade, tinha conhecimento, da existência de alunos que não lograram desenvolver estratégias de conciliação, todavia aguardou que o dado emergisse dos próprios estudantes.
De fato, os estudantes que não se adaptaram à realidade da UFOP, ou não estão mais na instituição, ou não chegaram ainda à condição de matriculados nas disciplinas Organização e Administração Industrial I e Economia e Administração, ou ainda, caso fosse possível localizá-los, talvez tendessem a não admitir a desadaptação.
Número significativo de depoentes falam do ingresso no contexto da UFOP como um acontecimento forte, “chocante”, surpreendente. Tais registros, demonstram que os alunos perceberam com clareza rupturas, ciência de que o meio mudou – e que a partir de então novos regramentos se impuseram. De per se, a ciência disso, promoveu importantes transformações nas subjetividades dos estudantes. Como reagir, como ajustar-se, como compatibilizar intersubjetivamente os repertórios foram atitudes inevitáveis, derivando necessidade de desenvolver estratégias autorreguladoras.
Em suma, pode-se dizer, a partir dos registros dos depoimentos, que o sucesso ou fracasso do desempenho acadêmico está em consonância com a capacidade de desenvolver estratégias autorreguladores de equilíbrio, já que a realidade de convite reiterado ao prazer esta aí, é inevitável, fático, encarnado-no-mundo educacional da UFOP.

Observação 1: Por razões de espaço, não publicamos os depoimentos integrais, mas apenas os excertos.
Observação 2: O texto aqui apresentado refere-se a uma parte de pesquisa exaustiva sobre o assunto realizado através do Programa de Doutorado em Educação, Acordo de Cooperação UFOP/ETFOP e Ministério da Educação de Cuba, Dou de 18.11.97.


Comentários e Conclusões

1 - Constatou-se que a grande maioria dos alunos percebem e têm conhecimento da existência de um ambiente de exacerbação do prazer em torno da instituição escolar UFOP.
2 - Depreende-se, a partir de análise do conjunto dos depoimentos, que o ato de estudar, em si mesmo, não é visto como ato prazeroso. A maioria dos prazeres relatados referem-se a ações desenvolvidas durante o tempo livre, e via de regra, tem natureza visceral, estreitamente vinculados a consumo em ambiente de encontro social.
3 - Enquanto os tipos de prazer se assemelham, as estratégias de conciliar prazer com estudo variam amplamente, demonstrando originalidade no enfrentamento da questão.
4 – Se constatou que a passagem dos estudantes pelo contexto educacional da UFOP lhes permite desenvolver estratégias autorreguladoras, fortalecendo a prática exercícios volitivos.
5 – Evidenciou-se que as relações de convivência nas “repúblicas” possuem potencialidades para influir positivamente nos estudantes através da educação de determinados valores como solidariedade, ajuda mútua, perseverança, democracia, etc. Todavia tais potencialidades poderiam ser otimizadas.
6 - Os depoimentos confirmam que os estudantes precisam exercer atitudes volitivas de autodisciplina e de autorregulação sobre si mesmos, constantemente, objetivando lograr sucesso no rendimento escolar.
7 –- A UFOP não tem tido entre seus objetivos institucionais, estudo e providências relativas à influência do contexto educacional de exacerbação do prazer sobre seus alunos.
8 - Os estudantes não se vêem como terminais de consumo cujas subjetividades são produzidas no interesse do modo capitalista de produção, o qual está orientado pela ampliação ininterrupta da ideologia do consumismo. A reflexão sobre a transformação dos sujeitos em terminais de consumo, ou mesmo “máquinas desejantes”, inexiste. Podemos daí considerar que a educação promovida pela UFOP, neste campo, tem lacunas.


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[1] professor Assistente da Universidade Federal de Ouro Preto.

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