quinta-feira, 18 de setembro de 2008

LIVRO DAS REPÚBLICAS: PARTE 2: O sistema de repúblicas estudantis da UFOP


Cap.5. O sistema de repúblicas estudantis da UFOP - Por Otávio Luiz Machado

1) A cidade de Ouro Preto e as repúblicas estudantis

A cidade de Ouro Preto é caracterizada e conhecida mundialmente pelo papel importante na economia brasileira durante o “ciclo de ouro”, especialmente no século XVIII, e, também por ser o estopim e palco da chamada “Inconfidência Mineira”, em 1789, um dos movimentos emancipacionistas importantes na história do Brasil e desencadeador das primeiras idéias de independência do Brasil.
Ouro Preto também é destaque pelo pioneirismo de suas escolas profissionais, sendo a Escola de Farmácia em 1849, a Escola de Minas em 1876, além do ideário e da ebulição intelectual no período da Inconfidência, que tinham como plataforma intelectual a criação de uma Universidade em Vila Rica pelos inconfidentes.
Em 20 de março de 1823 Ouro Preto, até então Vila Rica, é elevada a capital da Província de Minas Gerais. Dom Pedro visita a cidade em 1831, na tentativa de pacificar a Província, mas não é bem recebido pela população. Em 1897, a capital de Minas Gerais passa de Ouro Preto para Belo Horizonte, planejada e construída exclusivamente para sediar a administração política do Estado, devido às limitações geográficas de Ouro Preto. Segundo Rodrigo Meniconi1 houve um esvaziamento populacional de 40% na cidade. A cidade recebe, em 1933, o título de cidade “Monumento Nacional” pelo Presidente Getúlio Vargas, algo inédito no país. É declarado Monumento Histórico Mundial, passando assim a integrar o Patrimônio Cultural da Humanidade, pela UNESCO, em 12 de dezembro de 1980;
Quanto às repúblicas estudantis atualmente, 72 são de caráter público2, incluindo as que pertencem à UFOP, à fundação Gorceix ou às da Casa do Estudante da Escola de Minas. Há também algumas repúblicas particulares3 que seguem uma tradição4, além de um número expressivo de repúblicas alugadas que seguem outros critérios de ocupação e instalação, bastante diferenciadas das tradicionais. Todas existem em função da UFOP e mantém um relacionamento com a cidade de Ouro Preto e também em Mariana.
A UFOP, criada em 21 de agosto de 1969 por meio de Decreto-Lei assinado pelo Presidente Costa e Silva, integra as Escolas de Farmácia, de Minas e o Instituto de Ciências Humanas de Mariana pertencente à Universidade Católica de Minas Gerais. A UFOP possui atualmente cerca de 4500 alunos, divididos principalmente entre os cursos de Engenharia, Farmácia, História, Direito, Nutrição, entre outros, ministrados nos Campus de Ouro Preto e Mariana.
Assim, nesse cenário de Ouro Preto, as repúblicas sempre foram importantes na conservação e na divulgação de seu patrimônio histórico, sendo hoje um grande espaço histórico e cultural como o refúgio de estudantes que buscam um lugar para morar, viver e aprender.
1 ver MENICONI, fevereiro de 2000.
2 Repúblicas de caráter público correspondem àquelas em que o prédio é cedido aos estudantes sem qualquer ônus referente a aluguéis, com a auto-gestão deles, ou seja, são de responsabilidade dos próprios alunos a conservação e preservação do patrimônio.
3 Repúblicas particulares são casas de propriedade particular que são alugadas pelos estudantes, que dividem aluguéis e não precisam assumir responsabilidades com a conservação e a preservação do patrimônio como as “federais”, por exemplo. Entre as particulares, dividimo-las em: com tradições e sem tradições.
4 Verificar adiante na parte “tradições”.
2) FUNDAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DAS REPÚBLICAS DE OURO PRETO
Antes de discorrermos sobre o sistema, iremos definir “república” em sua acepção tradicional, existente apenas em Ouro Preto e em Coimbra, Portugal, cujos locais possuem semelhanças entre si em alguns aspectos.
A “república” que compreendemos, que pensamos relacionar ao seu provável significado original, possui influência na vida acadêmica e faz parte da própria vida universitária, condicionando seu ritmo e evolução, que no caso de uma possível ausência, deixaria fortes marcas. Para definirmos uma “república” precisamos mencionar sua organização e funcionamento, mas acima de tudo, sua vivência e a identidade mantida entre os próprios moradores e estes com os seus ex-moradores.
Em Portugal, que existe estudos mais avançados sobre o tema, pudemos averiguar através de alguns estudos sobre a Universidade de Coimbra5, elementos que provavelmente influenciaram Ouro Preto na sua configuração das repúblicas. Para esta constatação se exige a realização de estudos mais sistematizados e analíticos.
Ouro Preto e Coimbra são barrocas e possuem tradições escolares. Lá, com sua Universidade desde 1290, fundada por D. Diniz, e aqui desde 1839, com a Escola de Farmácia, ou 1876, com a Escola de Minas, fundada por Gorceix, com o apoio de D. Pedro II, existem repúblicas marcadas pela solidariedade, e, principalmente, na formação de um ambiente universitário local.
Alguns dos valores que devem existir para que a república seja autêntica é a confiança entre os seus membros, que vai ao ato de deixar as portas dos quartos abertas até a liberdade de se pegar algo emprestado do colega sem ele estar presente. Em alguns casos a irmandade era tão grande que um morador chegava até a usar peças de roupas do seu colega, quando não um conjunto inteiro.
A definição de república em Coimbra, Portugal, pelo professor de filologia portuguesa da Universidade de Coimbra, Amilcar Ferreira de Castro:
República – sf.
Casa onde vivem estudantes, por conta própria. (“o caloiro vai ser julgado na República dos kágados, com certeza).
A república é constituída por um grupo de estudantes e uma ou duas criadas. Instalam-se numa casa e, ao fim de cada mês, verificam quanto deve pagar cada um, dividida a despesa entre todos. Todas as semanas, outras vezes todos os meses, o “governo” muda de mãos; cada estudante é obrigado a assumir a chefia quando lhe couber a sua vez.
A designação dada a estes agrupamentos de estudantes deve provir do facto de o “governo das repúblicas” ser semelhante ao dos estados republicanos (CASTRO, 1947, p. 99-100).
5 ver LANY, 1990, e CASTRO, 1947. Também, a Revista Vértice de 28 de julho de 1990, da cidade de Lisboa, com edição especial sobre as festas dos estudantes em Portugal.
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Em Portugal, com um sistema que era pelo menos mais sofisticado em termos de organização do conjunto de tradições republicanas, nos baseamos para explicar a história de nossas repúblicas. Pretendemos apresentar ainda um texto comparativo sobre os dois sistemas.
Tudo dependia, em regra, da Bolsa. Bolsa chamam em Coimbra ao estudante que dirige a fazenda da república, - e é, já se vê, um por mês. O bolsa recebe o dinheiro e governa a casa. Todas as noites, depois do chá, a criada segue-o ao seu quarto, e aí, defronte do candeeiro amarelo de latão, de três bicos, e em cima da sebenta aberta, - desdobra-se o mapa das despesas, com tantas casas e quartos os dias do mês, e a indicação, na margem esquerda, dos géneros de consumo normal; - e a ladainha começa:
- Pão...
Responde a criada:
- Tanto.
- Azeite...
- Tanto.
- Carne...
- Tanto.
E assim até o fim (TRINDADE COELHO apud LAMY, 1990, p. 484)6.
O modo como se montava uma república em Portugal é a seguinte:
Um grupo de acadêmicos, que se entendem e se estimam, aluga uma casa da Alta, mobila-se e arranja uma ou duas serviçais. É eleito um por mês o presidente da República, o qual escolhe os seus ministros: o das Finanças conhecido na gíria académica pelo bolsa, o dos Negócios exteriores, o da Limpeza, etc.. Durante os primeiros quinze dias ou pouco mais, decorre-lhes a vida despreocupada e agradável; daí por diante as dificuldades económicas e financeiras sobem o ponto, à medida que descem as comidas e bebidas. Há que sacrificar os líquidos, entrando-se no que se chama em linguagem académica o regime seco e, apesar de se mobilizarem os móveis até às casas dos penhores, passa-se a andar à lebre, outra locução privativa, que significa ir comer noutra repúblicas, em casas de amigos, nas pensões baratas... è nesta altura que se põe à prova o talento diplomático do ministro do exterior, cuja função tem por fim refazer o abalo crédito junto dos fornecedores e conseguir uma moratória ao senhorio. Para tal cargo é escolhido o estudante que tenha lábia, lata e linha, trilogia nem sempre fácil de encontrar na mesma criatura.”(GEPB apud LAMY, 1990, p. 485-486)7 .
As repúblicas são casas abertas cuja preocupação ainda é especialmente não deixar que fechassem, para que fossem de todos:
6 Apud. Illo tempore, 7a edição, 251 – 252. In: LAMY P.484.
7 In: GEPB, vol. 25°, pág. 194.
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As Repúblicas têm portas e mesa francas, porta sem chave, sempre escancarada. É que << uma república não era só de quem lá morava dentro. Mais ou menos, era de todos, e a toda hora! Bastava dizer que a porta de uma república nunca por lá se fechou de dia e de noite; nem lá dentro as portas dos quartos; nem dentro dos quartos os baús nem dentro dos baús os mealheiros, se os havia! (TRINDADE COELHO apud LAMY, 1990, p. 486)8.
As repúblicas de Portugal possuem origens no século XIV, com a construção de casas na zona de Almedina, que eram destinadas a estudantes que pagavam aluguel, com a promoção de D. Dinis. Nas casas foi se criando um espírito de tradição através da manutenção de um sistema comunitário e soberano e com o emprego de uma organização política calcada na democratização das decisões e na responsabilidade perante os rumos da casa.
Em Ouro Preto, as repúblicas são o maior patrimônio de sua Universidade. Um aspecto comparativo entre estes sistemas é a formação de um centro de ensino em suas cidades de origem, e por outro lado, a carência habitacional nestas cidades. Um outro é o das dificuldades encontradas pelos estudantes em manter estas casas, por exemplo, em relação a contas atrasadas e credores, que ainda é resolvido por um estudante mais alinhado e diplomático para resolver tais assuntos. Em Portugal, a escolha deste estudante encarregado da questão era entre os que tinham os atributos de "linha e lata", que pudesse prorrogar a situação, desde que possuísse como qualidade uma oratória suficiente para convencê-los e comovê-los.
Um ponto alto destas moradias, em se tratando de seus aspectos políticos, é o de precisar saber e aprender “a respeitar as opiniões das pessoas, a conviver com as diferenças e a argumentar, porque esse é um ambiente realmente democrático”9.
Em Portugal, para se encaixar como república, de acordo com o Código da Praxe de 1957, que englobava todas as repúblicas, precisavam obter o reconhecimento do Conselho das Repúblicas, cujos critérios de aceitação são os seguintes:
a) a casa precisa ser administrada pelos republicanos;
b) ter cozinha própria;
c) ter um nome e um emblema aprovado pelo Conselho das Repúblicas;
d) ter uma placa com o nome e o emblema da República na fachada do edifício onde estiver instalada;
e) ter bandeira com o nome da República;
f) ter sido inaugurada com a presença de todos os repúblicos e um representante de todas as outras Repúblicas oficializadas já existentes;
8 In: Illo tempore, 7a edição, p. 61.
9 Ver depoimento de João Bosco Silva nesta Primeira Parte.
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g) ter presidente.
Em Portugal, no início da década de 70, com a queda do salazarismo, o Conselho das Repúblicas desfaz-se,
A Praxe é abolida e a progressiva dispersão dos estudantes pela cidade dilui o conceito de Comunidade Académica. Ambos os factores concorreram decisivamente para que as Repúblicas sofressem rapidamente processos de mutação, chegando aos nossos dias descaracterizadas em relação aos valores tradicionais de outrora. Os rituais praxísticos desenvolvem-se à margem das Repúblicas e estas já não exercem sobre a Academia a grande influência que tinham no passado10.
O que caracteriza a vida em república é a sua divisão das tarefas e a responsabilidade de cada morador, que adquire perante os demais membros. Este é um dos pilares da autogestão, que associado à tomada de decisões na casa possui importância e significado para as casas. Nas repúblicas, para se morar, o calouro precisa se pôrr à prova, tanto em sua capacidade e destreza para auxiliar na manutenção da casa como da presença de espírito, ao atribuir valor à amizade. Enfim, preocupação com os demais membros. O papel dos estudantes de Ouro Preto ao se viver em repúblicas, dizem que vivem os melhores anos da sua vida, é porque convivem de perto no seu dia-a-dia, sentem os mesmos anseios e participam das mesmas realizações, e desta forma fornece à vida uma esperança renovada.
As repúblicas de Ouro Preto, como as de Coimbra, precisam ter um nome, hino, bandeira e cozinheira e, acima de tudo, ser soberana e independente, para manter a sua qualidade.
A partir de 27 de novembro de 1990, não há mais distinção entre as Repúblicas e os Solares de Portugal. Desta forma, o reconhecimento de casas como repúblicas é decidido pela Reitoria, a Associação Acadêmica de Coimbra e pelo Conselho das Repúblicas, que foi reativado em 1986, quando retoma suas atividades de habilitação das repúblicas mediante a prova de vida comunitária na obtenção do título.
Os valores mudam ao longo do tempo, mas os que precisam estar presentes para a própria sobrevivência da casa é a amizade e a alta solidariedade. Nas casas sempre há uma esperança renovada, pois viver nestas casas é transpor sua vida estudantil e conciliar, vida universitária e vida pessoal, que passa a ser indistinguíveis.
Aos embalos noturnos das noites luarentas se cria o cenário mais adequado. Foi na inspiração destas noites que as serenatas se fizeram e muitos membros do Coral de Ouro Preto ensaiaram seus primeiros passos ou os cantores João Bosco, Tunai e tantos outros se inspiraram para compor seus grande sucessos.
Uma grande aprendizagem em relações humanas é ensinada nestas casas, assim como a disciplina e a responsabilidade, pois a sobrevivência da casa exige a continuidade dos atos. Com as obras das repúblicas, o cuidado na preservação do patrimônio, que é trabalho de gerações. Passando pelas ruas de Ouro Preto, como os jovens carregando portas, mesas, cadeiras ou outros
10 Site da Universidade de Coimbra: www.uc.pt
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objetos de moradia. Através disto, constroem-se nestes ambientes a recriação de um ambiente familiar que nenhuma outra moradia oferecem: as festas, a biblioteca e outros espaços, fazem com que fiquem mais à vontade e se sintam em um mesmo lar.
A formação do sistema de repúblicas de Ouro Preto
A cidade de Ouro Preto passa a ser a cidade das repúblicas, com um sistema estabelecido de casas com preços razoáveis, a partir da transferência da capital de Minas para Belo Horizonte em 1897, pois
Ouro Preto tinha afamados creditos educacional. Clima benigno, um tanto frio, excellente. Altitude de 1.100 metros. Agua abundante, das melhores do Brasil. Cidade pequena, de vida tranqüila. Ambiente acariciador. Familias affectuosas, acolhendo estudantes. Vida barata, tão barata, depois da mudança da Capital, que uma casa se alugava por 20$000. Alguns predios cahiram e outros eram dados para moradia para se conservarem gratuitamente. Em “republicas” o estudante podia viver com apenas 100$0000 mensaes! Estudava-se de graça na Escola de Pharmacia e na Escola de Minas! (RACIOPPI, 1940, p. 13).
Ouro Preto era um local ideal pois fornecia boas condições de permanência razoável durante todo o ano. Pedro Rache, formado em 1901 na Escola de Minas, relata sua experiência de estudante em Ouro Preto. Quando explica “a idéia de estudar em Ouro Preto”, este autor tenta explicar os motivos por não escolher a cidade do Rio de Janeiro, cuja Escola estava entre as oficiais de boas referências. Neste período, o conceito sobre Ouro Preto era o de cidade pequena, calma, clima excelente, com duas Escolas de alto nível. Travando contato com um colega, não estava este interessado em ir para o Rio de Janeiro, que estava infestada pela febre amarela e “era o terror dos estudantes riograndenses”(RACHE, 1954, p. 22):
Todos os dias era eu surpreendido com a notícia da morte de algum colega ou conterrâneo, que dias antes, ao embarcar para o Rio, havia visto cheio de saúde e contente, alimentando os mais belos sonhos do futuro, sem pressentir que dias depois, logo de chegada à Capital Federal, o terrível flagelo o aniquilaria para sempre” (idem, p. 22).
Os estudantes que vinham fora do Estado, geralmente faziam a opção de se dirigirem de trem até o Rio de Janeiro, e em passagem rápida, pegar um outro para Ouro Preto. Rache e seu amigo ficou impressionados quando fizeram um primeiro passeio por Ouro Preto, no final do século XIX, antes da transferência para Belo Horizonte. Não era tão atrasada quanto imaginavam: “Cafés! Esplêndidos cafés! Lojas de fazendas, armazéns de especialidades, gente de bom aspecto passando pelas ruas!” (idem, p. 30).
Os estudantes geralmente vinham para um curso preparatório ou anexo à Escola de Minas para enfrentarem um exame de admissão bastante rigoroso. Sendo admitido, morava-se em uma república que era administrada geralmente durante um mês pelo seu Presidente. As repúblicas
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estabelecidas eram divididas por gaúchos, cearenses etc. Ouro Preto conseguia atrair muitos estudantes, pois se tinha uma imagem e fama bastante positivas. A imagem bem descrita por Dequech é fiel:
O aspecto provinciano da cidade, o seu notável passado, a boemia, a descoberta da liberdade por uma juventude pouco vigiada, o espírito acolhedor do ouro-pretano com sua compreensão e bondade, as contas penduradas, e, acima de tudo, a presença constante dos professores, seja nas escolas, fora delas, e até em casa, a incutir o culto ao dever e à responsabilidade (DEQUECH, 1984, p. 66).
Porém, a transferência da capital de Minas Gerais de Ouro Preto para Belo Horizonte foi um grande problema para Ouro Preto. A Constituinte especial convocada especificamente sobre o assunto reuniu-se em Barbacena no ano de 1893, com a presença de muitos ouro-pretanos ou de seus defensores que em vão não conseguiram barrar a transferência. Essa transferência para a nova capital despovoou a cidade de Ouro Preto. Funcionários públicos, militares, muitos comerciantes, famílias inteiras partiram para Belo Horizonte (Curral Del Rey). Os políticos que impediram a mudança não tinham conseguido seu feito, entre eles, Costa Sena, Rocha Lagôa e Camilo de Brito.
Ouro Preto parecia de uma hora para outra se tornar o símbolo do atraso, da Monarquia e da anti-modernização perante a sua tradição.
Nos seus dois ultimos annos de capital do Estado de Minas Geraes, em 1896 e 1897, Ouro Preto se preparava para ver o governo se transferir para a cidade de Minas, hoje Bello Horizonte, onde se installou a 12 de dezembro de 1897. O commercio em apprehensões. O funccionalismo, as repartições publicas, os escriptorios e os homens de negocios em perspectivas de mudança. A vida social em discreto retrahimento. Dominava o ambiente de tristeza desanimadora. Demonstrava a gente ouropretana, em contraste com o enthusiasmo dos mudantistas ou mudancistas, a invencivel melancolia dos que vêem um ente querido partir para não mais voltar (RACIOPPI, op. Cit, p. 49).
Por outro lado, os imóveis disponíveis em Ouro Preto tornaram-se fartos. Muitas destas casas foram cedidas ou ocupadas pelos estudantes, que a mantinham. Parece-nos que daí acontece sua fama de cidade ideal para se estudar. Quanto às casas cedidas, as famílias a liberavam porque era melhor deixá-los nas mãos dos estudantes que a cuidariam do que deixar desabá-las ou ser ocupadas por estranhos. A desvalorização dos imóveis era às vezes tão gritante que achavam melhor deixar de quitar os impostos, pois não compensava. O fim do século seria o fim de Ouro Preto e o fim do mundo? Em outros cantos a belle époque, a euforia do mundo. O temor de outro.
Um registro maior deste período do final do século XIX acontece, cremos, porque esteve em Ouro Preto como estudante Getúlio Vargas, que morou, juntamente com seus irmãos, em uma república dos gaúchos, quando veio em 1897. Dizem que morou na República Bastilha, que existe até hoje, só que em outro endereço. Pedro Rache conhecia seus irmãos, Protásio e Viriato, sendo o apresentado por este último, que o qualificou de “indiosinho”. Porém, a trajetória de
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Getúlio por aqui foi curta. Teve que sair apressadamente devido ao envolvimento de seus irmãos em um crime11. No livro que Jô Soares lançou recentemente12, em seu prólogo, contextualiza o período vivido por este Presidente:
A rivalidade entre os moradores das várias repúblicas provoca, como de praxe, atritos e discussões. São comuns as refregas de estudantes no Bilhar Helena, na Rua São José, um dos pontos preferidos pelos rapazes que estudam na cidade (SOARES, 1998, p. 13).
Como as repúblicas universitárias de Ouro Preto que conhecemos hoje têm sua existência marcada ainda no século XIX, na forma de casa de estudantes que dividem as despesas e vivências, portanto, é uma instituição antiga em Ouro Preto. Porém, com poucos registros sobre o século XIX, exceto alguns livros de memorialistas, nos impedem de conhecer, por exemplo, a república mais antiga em Ouro Preto. Não é possível ainda montar um critério para isto, sem incorrer em erros, pois algumas já não mais existem. Desta forma, não é objetivo neste trabalho este difícil levantamento.
É sabido que Ouro Preto atraía muitos estudantes das regiões longínquas do Brasil, que buscavam ao mesmo tempo uma boa Escola e um local com boas condições de se estudar. Não havia no Brasil um sistema de transporte e de comunicação eficientes. Ficava-se em Ouro Preto praticamente todo o ano. As viagens de volta para casa ocorriam apenas nas férias, e para deles muitos, somente no final de ano. O aluguel era bastante acessível em Ouro Preto, pois existiam muitas casas desocupadas. Veículos apenas uns poucos. A viagem interurbana era pelo trem de ferro. Consumia-se mais de 5 horas de Ouro Preto para Belo Horizonte. Estradas aqui, só em 1938. As festas de Ouro Preto de grande porte como o 12 de outubro era, segundo Walter Von Kruger com pouca gente, geralmente ex-alunos, alunos e professores, sendo a “bebida gratuita, importada e boa”. No natal, os estudantes distribuíam um cartãozinho para as famílias da cidade, pedindo os ingredientes para as ceias. Recebiam muitos vinhos, e nas confraternizações, não se tinham mulheres.
O Restaurante universitário foi inaugurado em 1959. Antes, as refeições eram feitas nas próprias casas. Geralmente se tinham um cozinheiro, contratado pela casa. Havia o livro da Escrita, com todas as despesas da casa, administrada mês a mês pelo seu Presidente, que fazia a compra mensal nos mercados, que entregavam em burrinhos. A lenha se adquiria com a compra de um “burro de lenha”, a dois mil réis. Assim, esse convívio intenso, durante todo o tempo e por vários anos deram aos seus moradores amizades para o resto da vida. Viviam como família. Nos finais de semana tinham um “assustado” no CAEM, com vitrola, mas preferencialmente no domingo, que durava cedo. O cinema do Dodô era outra atração neste período. Segundo Kruger, muitos pagavam suas despesas até depois de formados.
Segundo um dos autores sobre a vida estudantil em Ouro Preto, as algazarras estudantis eram fartas: “... passar por Ouro Preto sem nunca ter tomado um porre ou roubado galinhas, decididamente não é estudar em Ouro Preto” (MAGALHÃES, 1989, p. 19). Este mesmo autor fala das boates:
11 Ler RACIOPPI, 1940, RACHE,... e DEQUECH.
12 SOARES, Jô. O homem que matou Getúlio Vargas: biografia de um anarquista. São Paulo, Cia. das Letras, 1998.
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Da época dos Festivais de Inverno para cá (1967 em diante), algumas Repúblicas passaram a ter também as suas “Boites”, no subsolo das casas, com nomes curiosos como Manilha Dourada (manilha do esgoto da casa, aparente e pintada) (idem, p. 32).
Em 1975 é apresentada uma pesquisa da Fundação João Pinheiro13, que aborda rapidamente o sistema de repúblicas sob três pilares: 1) o ponto de vista urbano 2) o ponto de vista estudantil 3) o ponto de vista da UFOP.
O primeiro aspecto é dado pela vitalização imprimida ao cotidiano urbano, como na ocupação e na conservação de parte importante do patrimônio histórico. Outro aspecto é a incrementação participativa dos estudantes em atividades culturais como campeonatos desportivos, atuação em grandes eventos comemorativos, além da improvisação festiva, típica dos alunos e jovens. Nesse aspecto, a existência das repúblicas é um mecanismo de atuação do estudante, que já é um benefício social à cidade.
Do ponto de vista da UFOP, no que concerne ao aspecto operacional, segundo o relatório, ao invés da universidade se responsabilizar por um possível alojamento no campus do Morro do Cruzeiro, o atual sistema é de baixo custo, pois se não fosse assim, a Universidade precisaria se empenhar ainda mais na conservação, uma vez que os republicanos e as republicanas assumem hoje boa parte desse ônus.
Sobre a conservação do patrimônio histórico de Ouro Preto, MENICONI retrata a importância da Escola de Minas e das repúblicas: “... a escola vai manter viva a cidade, devido a sua fundamental importância na vida econômica e social e à conservação das repúblicas e do antigo Palácio” (MENICONI, fevereiro de 2000, p.55).
As repúblicas possuem autonomia de gestão e critérios próprios para escolher seus novos moradores, sem a interferência da UFOP, a quem pertencem. A escolha de um novo morador segue uma série de rituais: a integração do “bixo” - como é denominado o candidato a uma vaga na “casa”- à vida do grupo, a sua adequação ao convívio republicano, a fim de levar adiante a instituição república.
As repúblicas permitem o aprendizado da relação humana e do convívio com as diferenças. A vida em comunidade reflete-se na vida profissional posterior. São elas um lugar de grande aprendizagem, é um dos poucos que permite o debate e uma vivência cultural onde o individualismo é superado e os sonhos e projetos compartilhados14. O sistema de repúblicas sempre é citado com gratidão pelos ex-moradores de repúblicas, seja na festa do 12 de outubro ou nas formaturas. É o caso do patrono da turma de engenheirandos de 1999/2, o Presidente da ALCAN do Brasil, João Bosco Silva.
Ao longo de suas carreiras, por melhores profissionais que forem, como vocês certamente serão, não atingirão resultados sem a participação e envolvimento da equipe. Ninguém vence sozinho. É importante trabalhar em conjunto, saber ouvir, motivar e participar de corpo e alma da vida de uma equipe. Neste sentido a formação em Ouro Preto, no ambiente das repúblicas, dá a vocês uma vantagem competitiva. Quem convive em
13 UFOP/FJP, 1975.
14 MACHADO, 17 de março de 2000, p. 8
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harmonia no ambiente das Repúblicas, aprende a dividir sonhos e projetos, conquistas e fracassos, a defender seus pontos de vista e a respeitar a opinião dos outros, a abrir mão de prioridades individuais em função do grupo15.
As repúblicas são respeitadas principalmente pelo sistema de união existente entre as suas paredes, como na divisão de pequenos objetos como as roupas dos outros, alimentos. Muitos relatam que se trata de um quase comunismo.
As primeiras repúblicas deste século e que ainda são existentes fizeram seus “ gatos “ por conta da Companhia de Luz de Ouro Preto. Outras foram iluminadas por lâmpadas que se adquiriam na rua, nos postes.
Se conversa muito dentro das repúblicas, discute-se todos os assuntos. Os bondes são longas conversas mantidas pelos republicanos nas casas, geralmente na copa. É nesta oportunidade, que cada um se abre ao outro, que lança seu ponto de vista e pelo diálogo, se aprende com cada um e com a sua diferença.
Quanto aos namoros com as moças de Ouro Preto comumente se fazia a seguinte pergunta quando se iniciava um namoro: “vai casar sério ou vai deixar o cavalo arreado?”. O assunto vem do caso de um ex-aluno da Escola de Minas chamado Antônio Alexandre Baima, que depois de colar grau, fez juras de amor à sua namorada, dizendo que em breve voltaria. Tinha um cavalo, que ao invés de vende-lo, deixou com sua namorada, que já tinha afeição com o mesmo. Não voltou. Deu “bom dia a cavalo”.
Em 28 de fevereiro de 1977 é criado o Centro de Assistência Estudantil (CAE) da UFOP. Sua função foi a de montar critérios para a assistência estudantil como os relacionados a passagens de ônibus e moradia. Mesmo nascendo sem atribuições, foi se desenvolvendo aos poucos, buscando montar um trabalho de levantamento sócio-econômico e aproveitamento escolar.
Em sua 4a reunião extraordinária, em 21 de março de 1977, o CAE, atende solicitação de três alunos da Escola de Farmácia, diante de problemas de preenchimento de vagas na república Cassino, e
Conforme consta do expediente, a república em apreço se destina a alojamento de alunos das duas unidades, na proporção de 11 alunos da EMM por 4 da EF, e, atualmente, as duas vagas disponíveis para alunos da EF/UFOP foram preenchidas por alunos da EMM/UFOP, conforme decisão tomada em assembléia de moradores da referida república.
Após esclarecimentos do prefeito do campus alegando que a cessão da casa pela UFOP para tal república deveria ser ocupada por alunos da duas unidades, naquela proporção, decidem chamar o Presidente da república e outras pessoas para discutirem a situação na próxima reunião. Este fato demonstra a ocupação de algumas casas por apenas determinado curso.
15 Discurso direcionado aos formandos da Escola de Minas do segundo semestre de 1999, em solenidade ocorrida em fevereiro de 2000.
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Observando os documentos, percebemos que o CAE tinha poder de decisão sobre as repúblicas. O caso de cinco alunos de uma república chamada Pólo Norte, que se encontravam no Centro de Convergência, estes seriam alocados em duas repúblicas que estavam em reformas: a Necrotério e a Penitenciária.
ficou decidido que os alunos iriam para essa última, uma vez que a ampliação ali efetuada comportaria mais cinco vagas. Para tanto, seria encaminhado ofício ao presidente ou representante da “Penitenciária”, comunicando a deliberação da CAE.
O CAE discutiu questões referentes às vagas no alojamento e de possíveis taxas de aluguel que seriam cobrados dos imóveis da UFOP, de acordo com o interesse da FUFOP naquele momento. Isto, na última reunião registrada da entidade em 2o de junho de 1977.
Com essa breve introdução, continuamos o texto com a apresentação da história das repúblicas de forma mais detalhada e sistematizada.
A) As repúblicas mais antigas
O velho Kruger nos fala do seu “Castelo dos Nobres” fundado em 1919. Segundo Kruger, que foi morador da república Castelo dos Nobres, formado na turma de 1937, sua república é uma das mais antigas. Esta república foi objeto de divulgação em um dos livros de Manuel Bandeira: “No caminho das Lajes note-se o belo sobrado, que foi residência da família Mota. Pertenceu ao Barão do Saramenha e abrigou uma república de estudantes, o ‘Castelo dos Nobres’” (BANDEIRA, 1967, p. 83).
A Arca de Noé, segundo seus próprios moradores, surgiu “ Num dia de 1927”, cujo primeiro local foi a casa que pertenceu ao inconfidente Tomás Antônio Gonzaga (atual Secretaria de Cultura e Turismo de Ouro Preto) na Rua Cláudio Manoel.
A Canaan, de 1930, está há 54 anos em seu endereço atual e em imóvel pertencente à Casa do Estudante. O Consulado, de 1936, possui desde a sua fundação um livro de registros chamado “Alcorão”. A Vaticano é de 1932. A Pureza de 1932.
A Sparta estava desde 1941 em casa particular, passando a um imóvel da Casa do Estudante em 1955. Sobre outras repúblicas antigas citaremos na próxima parte deste texto, tratando especificamente das repúblicas das Casas do Estudante.
b) Casa do Estudante de Ouro Preto e Casa do Estudante da Escola de Minas16
16 Sobre estas entidades, seus documentos ao invés de estarem em arquivos, se encontram com particulares, dificultando uma maior abordagem sobre estas entidades. Esperamos que os órgãos responsáveis pela memória institucional consigam trazer de volta tais documentos ao seu local de origem.
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Os ex-estudantes da Escola de Minas de Ouro Preto resolvem fazer sua Associação, em 1942, visando consolidar os laços com os atuais estudantes e repúblicas e, principalmente, contribuir com a Escola de Minas e com a cidade de Ouro Preto.
Dentre estas contribuições, estão a fundação das Casas de Estudantes em Ouro Preto. A Casa do Estudante de Ouro Preto foi criada em 1o de setembro de 1946, sob a Presidência do Professor Domingos Fleury da Rocha, Diretor da Escola Nacional de Minas e Metalurgia da Universidade do Brasil.
Como presidente da Comissão Central incumbida pela Associação dos Ex-alunos da Escola de Minas de instalar esta Casa do Estudante, o Professor Fleury falou na oportunidade de fundação da entidade dos seus objetivos primordiais: “uma instituição visando especialmente promover todas as formas de proteção e beneficiência aos estudantes de Ouro Preto” (ata de fundação). Comunica na ocasião as verbas recebidas, totalizando noventa e cinco mil e oito cruzeiros e noventa e oito centavos (CR$95.008,98), oriundas dos seguintes fundos:
- Consórcio Administrativo de Empresas de Mineração (CADEM) - CR$20.000,00;
- St. John de Rey Mining Company Limited CR$20.000,00;
- Companhia Minas da Passagem - CR$20.000,00;
- Mineração Geral do Brasil - CR$15.000,00;
- Companhia Cimento Portland Itau - CR$5.000,00;
- Comendador José Martinelli - CR$5.000,00;
- Companhia Geral de Minas - CR$5.000,00;
- Carbonífera Brasileira S.A. - CR$2.000,00;
- Companhia Carbonífera do Cabuí - CR$2.000,00;
- Companhia Nacional de Ferro-Ligas - CR$1.000,00.
Fundada em 1953, a Casa do Estudante da Escola de Minas teve por finalidade principal fornecer, mediante aluguel acessível à bôlsa dos alunos da Escola, alojamentos confortáveis e higiênicos. Foram, para isso, construídas várias “repúblicas” tradicionais dos estudantes de Ouro Preto ou reformados prédios antigos.
Estas repúblicas da Casa do Estudante eram particulares e as conseguiram mediante sorteios, junções com várias outras repúblicas etc. São casos como a república Arca de Noé, de 1927, que se instalou definitivamente em 1958 em uma das residências sob este caráter. A República Canaan, fundada em 1930, está em uma casa na Rua Xavier da Veiga desde 1946, bem como a Consulado, de 1936. A Formigueiro, de 1951, instalada em uma casa ao lado da Pousada Arcádia Mineira, conseguiu se instalar em uma residência da Casa do Estudante em 1958, depois de sorteio, de uma das casas doadas pelo então Senador José Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim.
A Pif-Paf, de 1946, se instala em sua nova residência em 1948, enquanto a Quitandinha, de 1945, se transfere em 1949, seguido da Reino de Baco em 1951, a Sinagoga neste ano. A Sparta, fundada em 1941, segue seu destino como residência da CEEM em 1955. A Tabu, em 1950. As Verdes Mares, de 1943, passa a ocupar uma casa desta entidade em 1952.
Em 195517 a Casa do Estudante da Escola de Minas conseguiu do Congresso Nacional e da Presidência da República, pelos deputados Israel Pinheiro e Francisco Leite
17 Esta comunicação foi feita em Assembléia Geral Extraordinária do DAEM de 25 de março de 1955.
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Neto, verba programada para o orçamento de 1954, com os seguintes valores e que foram destinadas também para as seguintes atividades:
- Casa do Estudante da Escola de Minas - um milhão e trezentos mil cruzeiros;
- Excursões – duzentos mil cruzeiros;
- Bolsas de Estudo – duzentos mil cruzeiros.
Em Assembléia Geral de Caráter Vital do Diretório Acadêmico da Escola de Minas, de 10 de junho de 1961, um outro assunto a ser tratado se referia à Casa do Estudante de Ouro Preto, que estava para “passar para domínio da Fundação Gorceix”, e segundo as opiniões na Assembléia, “viria a acarretar um domínio completo sobre a vida do estudante”. Assim, deliberaram em assembléia
... que quaisquer negociações que visassem o encampamento da CEOP por parte de associações ou Fundações, que visassem, digo, com um consequente tolhimento da liberdade e regulamentos que regem estas repúblicas da CEOP seria e deveria ser rejeitado a priori (atas).
Em outra Assembléia Ordinária do DAEM (30/08/1963), o assunto é Casa do Estudante da Escola de Minas. Com a presença do Seu Presidente Executivo, Professor Luiz Carlos de Assis Moreira, que relatou assumir a citada Casa “completamente sem planos”, relatou, também que “durante sua gestão nada foi feito, além de pequenos consertos. Disciplinarmente algo foi feito”, disse o professor, mostrando-se favorável a uma mensalidade de aluguel sobre as casas, cujos critérios adotados seriam uma cobrança individual junto ao REMOP. Quanto ao apoio da Fundação Gorceix, disse ser impossível resolver o problema da Casa do Estudante da Escola de Minas sem o seu auxílio, ressaltando “que desmoralizá-la será fechar às portas a salvação da E.M.O.P”.
Em 07 de julho de 1975 foram transferidas para o patrimônio da UFOP, pelo Presidente da Casa do Estudante as seguintes repúblicas:
- Tabu
- Canaan
- Quitandinha
- Sinagoga
- Consulado
- Verdes Mares
- Pif-Paf
Este repasse foi averiguado avaliando as escrituras e registros de imóveis na Coordenaria de Assuntos Patrimoniais da UFOP. Ainda ficaram como parte destas entidades as seguintes repúblicas: Serigy, Reino de Baco, Vaticano, Pureza, Arca de Noé, Hospício, Formigueiro e Sparta.
Esta entidade, em ofício no dia 27 de maio de 1975, pede às suas repúblicas o fornecimento de dados visando à melhoria das instalações, de acordo com a reunião do Conselho de Administração e com os recursos que possui. Além de pedir um representante da
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casa para integrar ao futuro Conselho de representantes da CEEM, a planta da casa, o número de moradores e seus nomes, pedem um relatório com a situação do imóvel, com as seguintes orientações:
a) estado geral de conservação (paredes, muros, pintura, telhado, madeirame, instalações elétricas e hidráulicas), etc;
b) serviços que devem ser executados, indicando o local, material a ser gasto, tipo de mão de obra necessária, com estimativa dos prováveis valores, considerando-os a prioridade dos serviços a serem executados.
Um ex-aluno de Ouro Preto criou recentemente um “movimento” de devolução dos imóveis doados para a UFOP novamente à Casa do Estudante, sob a alegação de que a doação foi questionável. Atualmente, a questão é mais profunda. A falta de apoio da UFOP para as obras das repúblicas é uma delas
c) As repúblicas da década de 60 e 70
Neste período, há uma compra sistemática de repúblicas pela Escola de Minas e pela Escola de Farmácia, motivada tanto pela reivindicação estudantil como pelo encontro de preços razoáveis de imóveis na cidade de Ouro Preto, além das verbas disponíveis para investimentos.
Porém, o principal motivo da ampliação do número de repúblicas na cidade de Ouro Preto foi a dificuldade de recrutamento de alunos para a cidade e a perda sistemâtica da qualidade de ensino da Escola de Minas pela dificuldade de se contratar professores.
Possivelmente, a criação de uma Universidade viria também a consolidar a cidade em termos educacionais, pois permitiria a ampliação dos espaços para as Escolas e até o reerguimento de estruturas que estavam se fossilizando. A universidade sempre foi um sonho antigo em Ouro Preto, desde os inconfidentes, porém a idéia ganhou força com as dificuldades passadas pela Escola, reforçada pelo decreto ministerial e pelo movimento dos estudantes da Escola de Minas que acreditaram que a universidade viria restabelecer o antigo brilho perdido pela Escola de Minas ao longo dos anos.
Tristão de Ataíde, o Alceu Amoroso Lima, havia manifestado, anos antes, a potencialidade de Ouro Preto para o ensino superior, através de artigo escrito para o GLTA:
Pois aquilo que foi outrora S. Paulo, no tempo em que era a cidade dos estudantes, é hoje Ouro Preto. Seria aqui o logar ideal para uma grande Universidade. E estou convicto quwe ainda o será alfgum dia no futuro, quando os políticos e educadores se convencerem que é nas cidades pequenas que se levantam, em geral, os maiores centros de estudos – Coimbra ou Salamanca, Oxford ou Bohuhe, Cambridge (Harvard) ou Recife. Ouro Prêto eis o ambiente ideal para uma grande Universidade, no dia em que houver clima, no Brasil, para a verdadeira vida universitária, em que professôres e alunos, conjugados, viverão exclusivamente para as obras de estudo, de ensino e de pesquisa. Nesse dia, que é o alimento de nossa Esperança, a velha semente de Gorceix será o núcleo de uma vida intensa e profunda, em que milhares de estudantes farão de tuas montanhas as paredes de tuas Faculdades, de ciências e de Letras, em que as tuas ladeiras serão os caminhos para os
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passeios peripatéticos, em que teus monumentos serão os museus e as “repúblicas” desmanteladas de hoje serão as “fraternities” e as “sororities” de amanhã em que alunos e alunas, entre as casas de residência dos professôres, as salas de aulas, os laboratórios, os anfiteatros, farão da cidade outrora morta ou agonizante, o maior centro cultural de nossa terra. O passado será então a semente do futuro. O silêncio, os obstáculos naturais e a deslocação que haviam sido motivos de abandono, serão os próprios motivos da preservação de um ambiente naturalmente adequado à sêde de meditação e de estudo” (ATHAÍDE, 1965, p. 5).
Desta forma, a consolidaçao do sistema de repúblicas pela Escola de Minas, principalmente, permitiu a própria criação da Universidade Federal de Ouro Preto, que .....
Este clima de compra de repúblicas antecedeu o movimento de estudantes reivindicando repúblicas, com a liderança do Diretório Acadêmico da Escola de Minas, que montou um acampamento na Praça Tiradentes. O resultado imediato deste protesto foi a compra de diversas casas para abrigar repúblicas pela própria Escola de Minas, que mesmo com poucos cursos, tinha uma boa parcela das verbas do Ministério da Educação e de outros setores do Estado. Algumas outras casas, adquiridas pela Escola de Minas para outras finalidades, também foram ocupadas por estudantes, pois o numero não era suficiente para todos mesmo com estas aquisições.
Desta forma, além de ocupações, de cessão de casas com o nome da república, o adquirente e a data de entrada conforme escritura dos imóveis temos abaixo as seguintes casas neste período:
REPÚBLICA
ADQUIRENTE18
ESCRITURADO EM
Bangalô
UFOP
21 de outubro de 1975
Jardim Zoológico
EFMM
15 de julho de 1975
Marragolo
EFMM
12 de julho de 1971
Rebu
UFOP
16 de dezembro de 1974
TX
EFMM
31 de outubro de 1967
Patotinha
UFOP
11 de fevereiro de 1976
Penitenciária
UFOP
27 de outubro de 1975
Poleiro dos Anjos
EFMM
22 de junho 1969
Espigão
EFMOP
26 de agosto de 1969
Pronto-Socorro
EFFBOP
24 de setembro de 1965
Castelo dos Nobres19
ENMM
11 de agosto de 1953
Deuses
ENMM
05 de julho de 1968
Gaiola de Ouro
EMOP
14 de novembro de 1961
Jardim de Alah
EFMOP
20 de novembro de 1968
Cassino
EFMOP
29 de maio de 1970
Adega
EFMOP
30 de junho de 1967
18 As siglas relacionadas aqui significam: UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), EFMOP (Escola Federal de Minas de Ouro Preto, EFMM (Escola Federal de Minas e Metalurgia), ENMM (Escola Nacional de Minas e Metalurgia), EFFBOP (Escola Federal de Farmácia e Bioquímica de Ouro Preto) e EMOP (Escola de Minas de Ouro Preto), que correspondem às duas Escolas Superiores de Ouro Preto, de Engenharia e de Farmácia, que trocaram seus nomes ao longo do tempo, e da própria Universidade.
19 A república Castelo dos Nobres foi a primeira república adquirida com recursos eminentemente públicos.
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Pulgatório
EFMOP
06 de novembro de 1968
Baviera
EFMOP
04 de julho de 1968
Butantã
EFMOP
29 de maio de 1970
Maracangalha
EFFBOP
24 de maio de 1966
Necrotério
EFMOP
11 de julho de 1966
Aquarius
EFMOP
20 de dezembro de 1968
Ninho do Amor
EFMOP
09 de novembro de 1967
Nau Sem Rumo
EFMOP
06 de novembro de 1968
Casa Nova
EFMOP
29 de maio de 1970
Boite Casablanca
EFMOP
11 de julho de 1969
Fonte: Coordenadoria de Assuntos Patrimoniais da UFOP20
Quanto a estes dados, constam apenas a aquisição do imóvel em que se instalaram as repúblicas, pois não significa aí a fundação das casas, necessariamente, pois algumas existiam antes da sua federalização21, como é o caso da república Adega, de 1963, a Bangalô, de 1975, a Baviera, de 1958. Sem falar da República dos Deuses, que ocupou um imóvel particular em 1964 e 1968 ocupou uma nova casa, de propriedade da Escola de Minas, que atualmente é o seu endereço.
Outros imóveis sofreram imensas reformas após a sua compra, antes de sua cessão definitiva para os estudantes. A República Aquarius22 é um destes exemplos, pois foi adquirida em 1968 e reformada logo em seguida para se tornar uma república de professores da Escola de Minas. Em 1969, em plena reforma, foram ocupadas por estudantes “sem teto”, e em 1970, foi cedida oficialmente aos estudantes.
Outros exemplos de federalização23: a Jardim Zoológico, de 1958, passa a um imóvel federal em 1969, e em 1974, seu atual endereço, pois esta casa em que residiam fora destruída pelas chuvas. A Maracangalha, de 1955, federaliza-se na década de 60 também. A Ninho do Amor, que já teve seu endereço na famosa Rua São José, passa em 1967 ao seu endereço atual, como casa pública. A TX, de 1961, federaliza-se em 1967. E muitos outros exemplos que poderão ser constatados nos históricos das próprias repúblicas24.
d) A construção das Repúblicas do Campus
A UFOP começa a se configurar como Universidade apenas no início da década de 80, pois a sua reestruturação a partir da junção de duas outras Escolas superiores foi bastante difícil.
O primeiro sistema de moradias no campus do Morro foi o alojamento, ocupado
20 Dados sistematizados aqui pelo autor.
21 Este termo utilizo para designar o processo passado por algumas repúblicas de caráter privado para público, através da ocupação de imóvel do Estado.
22 Sobre a República Aquarius, consultar ao final deste capítulo o “caso de fundação da República Aquarius”.
23 Federalização.
24 Nesta primeira parte do trabalho.
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pelos estudantes em 197725.
A construção das repúblicas do campus do Morro do Cruzeiro foi antecedida por uma greve de estudantes, em 1981, com o objetivo de pressionar a Reitoria da UFOP para fazer funcionar a infra-estrutura necessária para o seu projeto de Universidade. Em “Carta Aberta à População”, os estudantes procuram esclarecer os reais motivos da greve, como o pagamento de altos aluguéis por 50% dos seus estudantes (a UFOP tinha 1500 alunos), ocasionados pelos seguintes aspectos:
- expansão da Alcan, e conseqüentemente acarretando um aumento de funcionários.
- aumento do número de vagas na Escola Técnica.
- abertura de novos cursos na Universidade.
- muitos estudantes que para aqui se dirigem, a fim de se prepararem para o vestibular, matriculando-se nos cursinhos.
- o fato de não se construir novas casas em Ouro Preto (Património Histórico Mundial), ficando muita gente para poucas casas
- preço de aluguéis liberados, fazendo com que aqueles que alugam casas carreguem nas costas a inflação provocada pelo próprio governo26.
Desta forma, busca-se, através da demonstração do significado das conquistas da greve para a própria população como a baixa dos aluguéis. Em outra carta, “aos Professores o Porquê de nossa Greve”27, neste mesmo ano de 1981, em que desfralda as reivindicações do estudante.
Quando levantávamos, ano passado, o problema da moradia, o Sr. Reitor dizia: “Eu construirei alojamentos para mil e quinhentas pessoas”. Hoje isto cai no esquecimento e os Senhores, principalmente aqueles que moram aqui em Ouro Preto, conhecem muito bem a exorbitância dos aluguéis, o que para os estudantes se torna insustentável.
25 Segundo Geraldo Baldi (o Geba), “teve uma tentativa de construção do Centro de Convergência, que seria um prédio de 10 andares aqui no Morro do Cruzeiro. O Patrimônio embargou, ficou o 3o andar, que é hoje ainda. Era um alojamento que estava vazio. Começou a ser invadido pelos bixo grilo, os hippies, que a gente falava, estudante, é claro. Mas, era um pessoal que tinha, era dessa tendência, eles tomavam banho na cachoeira, no pocinho, na geladeira, não tinha energia elétrica. Depois conseguiram energia elétrica e se organizaram melhor ainda. Conseguiram um caminhão pipa prá botar água”. O alojamento foi “invadido da seguinte forma segundo Geba: “eu descobri aonde estavam as chaves do Alojamento, porque há inclusive documentos, documentos que podem até comprovar, que o Diretório desta época estavam querendo distribuir as chaves prá alunos. Inclusive chegou a distribuir uma meia dúzia, dez, não sei, de chaves, para certos alunos que tinham uma média boa etc. E tem até um documento aqui de que não havia comunicação. Aí, eu descobri onde estavam as chaves. Contei para o Paraíba. Na realidade, eu levei as chaves para o Paraíba, eu fiz só esta parte, e o Paraíba pegou e distribuiu. Foi meio aleatória esta distribuição, foi dentro do Remop: ‘quem quiser esta chave está aqui”, não foi uma coisa organizada. Todos que pegaram a chave subiram para o Alojamento e muita gente não queria morar no Alojamento, porque faltava água, às vezes faltava até luz. Mas foram aí umas 40 pessoas que subiram para o Alojamento e começou a funcionar clandestinamente”.
26 “Carta Aberta a população”. Assinada pelo D.A. Escola de Minas, C.A. Livre Farmácia, D.A. Mariana e Pró-Entidade Nutrição, em 1981.
27 Assinada pelo Diretório Acadêmico da Escola de Minas, C.A. Livre Farmácia, DA Mariana e Pró-Entidade Nutrição em 1981.
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Estas pautas de reivindicações já se arrastavam há algum tempo sem solução, e em “reunião com os estudantes, o Sr. Reitor disse ‘Não’ ao transporte para Mariana: diante das moradias, pateticamente sugeriu que talvez, possivelmente, construiria 10 casas no Morro do Cruzeiro. O restaurante seria aberto apenas em fevereiro de 82”.
No segundo semestre de 1981 são iniciadas as obras das repúblicas do Morro do Cruzeiro, e suas primeiras casas são concluídas no primeiro semestre de 1982. Em 16/08/1982 se tinha no Campus do Morro do Cruzeiro um alojamento misto (em sexo e em curso), com critérios próprios de ocupação pelos estudantes. Este alojamento foi construído em 1977, para abrigar alunos e professores de pós-graduação, que foi ocupado por alunos de graduação. Com 10 repúblicas e quatro a serem entregues neste mesmo mês, com 20 vagas cada uma, existiriam 15 vagas para calouros nestas quatro casas.
A república Ovelha Negra e a Cosa Nostra foram fundadas em 1988.
e) A onda de ocupação das repúblicas a partir de 1985
O DCE cria em 1986 a “Comissão de Moradia”. Foi possível, neste período, ocorrer uma onda de ocupações, pois além de estarem organizados nesta comissão, o trabalho realizado foi profundo, exemplificado no levantamento do patrimônio real da UFOP.
A ocupação da república Tanto Faz ocorreu em plena greve da UFOP, no início de 1987. Esta casa, em particular, foi conquistada pelo trabalho da Comissão de Moradia Feminina, que em negociações com a Reitoria, exigiu a liberação de alguns imóveis da UFOP, que eram usados como “casa de hóspedes”. Em reunião decisiva na Reitoria neste ano, a palavra de ordem era conseguir a casa de qualquer maneira, com a liberação ou não do Reitor. Uma posição negativa do Reitor naquela reunião seria prontamente respondida com a ocupação da casa, o que aconteceu com a Republica Tanto Faz28. A Maria Bonita, que era particular, foi ocupada em de março de 1987, juntamente com a Saudade da Mamãe.
Em 1990, as demais casas da região conhecida como “brejo”, na Rua Diogo Vasconcelos, seguindo o caminho da República Tanto Faz, entraram como alvo dos estudantes que não possuíam casas, resultando um ano depois na fundação da república Virada pra Lua (1991) e que possuía como pretendentes membros da Comissão de Moradia, que se tornaram moradores depois de um sorteio. Em seguida, ocupam a Bem na Boca (1992), seguida por último da Chega Mais, em 1995, que foi conseguida de forma mais consensual.
Devemos ressaltar que a conquista destas casas contou com a participação dos moradores de repúblicas que já se encontravam bem instalados, mas que não hesitaram em apoiar e em colaborar com os colegas “sem teto”. Nossos depoentes colocam esta participação como fundamental ao êxito do movimento.
28 Mais detalhes sobre este episódio consultar o depoimento sobre a ocupação da República Tanto Faz.
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f) A construção das repúblicas de Mariana29
O Instituto de Ciências Humanas e Sociais é parte integrante da UFOP desde 1979. Com apenas dois cursos, seus estudantes moravam em casas alugadas em Mariana ou tentavam encontrar vagas disponíveis em repúblicas públicas de Ouro Preto, que em sua grande maioria, neste período, era exclusiva aos alunos de Engenharia ou de Farmácia. Assim, sua única opção era o alojamento da UFOP, no Morro do Cruzeiro, disputando as poucas vagas com os alunos dos demais cursos da instituição.
Em se tratando da disponibilização de vagas para os estudantes de Mariana, a construção das repúblicas do Morro do Cruzeiro, com uma oferta de vagas consideráveis em relação até às existentes, foi um avanço. Constatamos que existe entre os primeiros moradores de várias destas repúblicas estudantes de Mariana como Koxixo, Arte e Manha, Palmares e Lumiar.
O que facilitava o trânsito dos estudantes entre Ouro Preto e Mariana era o ônibus gratuito mantido pela UFOP, realizando as viagens entre as duas cidades, com distância de 10 quilômetros, pela manhã, tarde e noite. Nos outros horários, ou se pagava ônibus de linha normal ou se pegava “caronas”, que é o mais comum até hoje.
O ônibus gratuito cortado em 1983, e o aumento do número de estudantes em Mariana transformam a vida estudantil cada dia mais dificultada. De outro lado, estes ônibus foram mantido com preços baixos até 1989, quando é definitivamente cortado qualquer tipo de subsídio para o transporte escolar.
Com a criação da Comissão de Moradia pelo DCE em 1986, começa-se uma discussão sobre a falta de casas para estudantes, principalmente em Mariana e em Ouro Preto, aqui, especificamente para estudantes do sexo feminino. Segundo o ex-aluno de História, Rafael Madalena, formado em 1991
Nós tínhamos também lá em Mariana a Comissão de Moradia. Eu comecei a fazer parte dessa comissão de moradia, porque havia uma necessidade, uma demanda pela moradia lá em Mariana. Nessa época havia uma intenção da Universidade, um compromisso assumido pela administração da Universidade na época para a construção de casas no campus do ICHS. Construíram a Taqueupa. Não havia dificuldade para dar continuidade na construção das casas. Também, onde estas repúblicas estavam sendo construídas, era um lugar de difícil acesso, era um lugar no morro, no meio do mato. Não tinha iluminação prá sair do ICHS. Lá tinha uma trilhazinha de terra que passava pelo meio do mato. Tinha cobras, bichos; o pessoal volta e meia tinha medo de assalto, medo de estupro. Nunca ocorreu nada assim grave, mas tinham pessoas que cercavam estudantes. E o lugar era feio, um horror! Ali onde você sai das repúblicas e vai para o bairro da Chácara era um buracão, todo o morro despencado. Para você chegar na república não tinha calçamento nenhum. Quando chovia era um horror. Os primeiros moradores da Taqueupa foram pioneiros mesmo. Foram uma geração pioneira,
29 Sobre as repúblicas de Mariana, consultar o depoimento de Rafael Madalena sobre a fundação da República Zona de Mariana ao final deste capítulo.
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enfrentando ali o “pão que o diabo amassou”. A Comissão de Moradia reivindicava todas as coisas: a continuidade da construção das casas, um trabalho de urbanização daquela área.
O processo de seleção dos novos moradores é ainda por meio de sorteio, pois desde a sua fundação, as repúblicas das “moitas” sempre tiveram uma procura maior que a oferta. O sorteio, no local chamado “redondo”, na área central do ICHS, é uma prática comum, e da mesma forma, a utilização das salas destas repúblicas como quarto de hospedes de calouros desabrigados. Uma característica marcada por Rafael nestas repúblicas de Mariana é a ocorrência de :
um espaço limitado, de respeito, e sempre o princípio norteador nosso na república foi o estudo. Se um estivesse estudando, os outros tinham que respeitar. O nosso objetivo era esse, nós estávamos ali para estudar. Quando era para fazer festa, fizesse todo mundo junto. Quando era para estudar, se tivesse um estudando e os outros quisessem fazer festa, escutar som, podia, até escutar mais baixo. Se tivessem incomodando tinha que parar. Nós tínhamos regras bem definidas, bem claras.
Em 1987 havia na cidade de Mariana duas repúblicas sob a responsabilidade da UFOP: uma que era localizada na Praça da Sé, no centro da cidade, a república Sé, alugada pela UFOP e a Taqueupa. A Taqueupa foi a primeira casa a ser construída no Campus para ser transferida em definitivo.
A Sé era a primeira república a que os estudantes carentes recorriam para se abrigar, aos que não tinham como opção alugar uma casa particular. Como era grande e estava em um casarão muito velho, abrigava muitos estudantes. Não suprindo a carência de vagas, a Comissão de Moradia exigiu o aluguel de mais uma república, que se localizava na rua da Zona, que recebu este nome após a sua transferência.
O trabalho da Comissão de Moradia conseguiu o aluguel de casas na cidade até se terminar a construção das repúblicas no Campus. Em 1991, a UFOP entrega as novas casas de Mariana, construídas em uma região denominada “Moitas”, pois está localizada em uma região afastada dos prédios do ICHS, repleto de mato e com uma infra-estrutura inferior em relação às repúblicas de Ouro Preto. São entregues seis repúblicas com capacidade máxima de 12 pessoas.
Ouro Preto passou a ter a partir de 1981 dois restaurantes: o Restaurante da Escola de Minas de Ouro Preto (REMOP), que funciona desde 1959 e o Restaurante do Campus (RECAM), desde 1982, enquanto em Mariana não se tinha ainda o seu Restaurante. O REMAR foi criado em 1987.
A situação da moradia em Mariana deveria ser olhada em conjunto com os outros fatores que colocam o Campus do ICHS em situação desfavorável ao de Ouro Preto. A moradia é apenas um sintoma da condição específica de Mariana no sistema universitário, tais como: a ausência de lideranças acadêmicas que estejam participando ativamente no centro decisório de Ouro Preto; a baixo-estima do Instituto em se posicionar neste centro de decisões, que deveria ocorrer na
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divulgação melhor de seus trabalhos e em uma posição ofensiva assumida que deveria adotar. Por outro lado, a posição dos Diretores é um fator de sucesso para conquista de interesse do ICHS em todos os aspectos, inclusive, se pudessem tratar a questão da moradia estudantil de forma localizada, e não sob a ótica das repúblicas, tendo Ouro Preto como referencial, pois sabemos que as condições são bastante diversas. Desta forma, as lideranças do ICHS poderiam trazer a discussão e a ação mais voltadas aos problemas do ICHS. Um dos resultados da ausência de políticas específicas sobre moradia para Mariana ocorre justamente por se ter lá o maior número de estudantes carentes30 e o menor número de moradia, acarretando uma procura bastante superior à oferta. Os estudantes em situação calamitosa reivindicaram, por meio de um movimento de ocupação do prédio que deveria ser destinada ao Curso de Direito da UFOP, no primeiro semestre de 2000, uma ação efetiva por parte dos administradores universitários. Por enquanto, as promessas são prevalecentes.
g) Novas perspectivas para as repúblicas atualmente
Nos últimos 05 anos as repúblicas estão sendo colocadas em uma prova de fogo, através do levantamento de problemas e denúncias, principalmente na imprensa.
O Núcleo de Estudos e Debates sobre a Moradia Estudantil (NUDEME), criado em 1994, cremos ter sido uma excelente iniciativa, tanto para discutir as questões levantadas sobre as repúblicas pela sua comunidade universitária e externa como para propor soluções sobre a moradia.
Seus objetivos foram:
1) criar um fórum permanente para o estudo, discussão e apresentação de propostas sobre a questão da Moradia Estudantil na UFOP com a comunidade universitária;
2) subsidiar a CAC na formação e reformulação dos Programas ligados à Moradia Estudantil;
3) Buscar a articulação com as entidades estudantis no sentido de garantir a participação destas nas discussões e deliberações do NUDEME.
Com a realização de diversos seminários, encontros e discussões, além de divulgação de informações sobre a situação da moradia na UFOP, o NUDEME foi importante porque começou a realizar um levantamento e a divulgação do número de vagas nas repúblicas, auxiliando os calouros a encontrar um local adequado, inclusive fornecendo propaganda às repúblicas.
Neste período, através destas discussões, se percebeu o surgimento crescente de novas repúblicas particulares, cuja avaliação deste núcleo era de que eram desnecessárias, pois “antes de criarmos novos espaços para a moradia estudantil devemos ocupar as vagas já existentes”31.
Cresceu, também neste período, o número de matérias jornalísticas negativas sobre as repúblicas, publicadas especialmente em datas como carnaval e 12 de outubro, época de grandes festas na cidade.
30 De acordo com dados da Coordenadoria de Assuntos Comunitários da UFOP, 80% dos estudantes de Mariana possuem bolsa-alimentação.
31 De acordo com os documentos da 3a Reunião do NUDEME.
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Em 1996, o Jornal Ouro Preto divulga matérias que, segundo sua jornalista responsável, representavam a “iniciativa de um grupo de nativos, propondo ao Governo Federal a construção de unidades que os abrigue (os estudantes) no campus, através de verba obtida com a venda dos prédios públicos que hoje ocupam, no centro”32. Veio à tona, também, a divulgação de cartas de estudantes insatisfeitos com as repúblicas que, não se adequando as regras, disseram passar por momentos humilhantes, como a “carta aberta aos estudantes da UFOP”, assinada apenas por Eliana33, que levanta questões como: “o verdadeiro objetivo delas, pelo que eu saiba, é dar oportunidade, em especial aos mais carentes, a uma beiradinha num canto qualquer da casa para que esse sofredor venha pelo menos a se deitar”.
Além disto, o NUDEME passa a receber diversas cartas, muitas delas anônimas, sobre situações negativas vividas em repúblicas. Muito do que veio a público em forma de denúncia os estudantes responderam. Cartas de ex-alunos relatando seus bons momentos morando em repúblicas foram divulgadas, como de José Luiz Amarante Araujo, da Castelo dos Nobres, que disse,
visitando a República em agosto passado, fui informado de que os novos calouros se recusam a ir morar nas tradicionais repúblicas. Todas elas estão tendo dificuldades em renovar seus quadros dado a “falta de bixos”(!!!).
Nesta carta, fala exclusivamente do principal valor que se busca atingir em uma república, ou seja, a amizade:
Fiz amizades numa época em que não havia nenhum outro valor a não ser o que cada um dava de si mesmo. Éramos apenas estudantes. Não havia posição, dinheiro, nome de família, nada. Tudo era dividido, comida, doces que as famílias mandavam, shampoo, sabonete, barbeador, etc. Posso dizer que o meu caráter e minha personalidade de homem e profissional tiveram a sua conformação final durante este período. E sobretudo fui muito feliz.
Assim, desta forma, este ex-aluno fazia um apelo aos calouros para que não se deixassem influenciar diante da situação:
Não percam esta oportunidade. Esta é uma experiência única de vida. Não procurem o caminho mais fácil para a solução do seu problema de habitação em Ouro Preto. Procurem uma república tradicional. Vocês vão encontrar algo sob medida para as suas aspirações; não deixem de ser felizes.
32 Carta de Christina Tárcia datada de 06 de novembro de 1996 destinadas a vários órgãos da UFOP.
33 Jornal Galilé, ano VII, set/out. 1996, n. 74.
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Porém, mesmo com estes apelos, a imagem desgastou-se, alimentando a opinião pública com informações nem sempre reais sobre a vida em repúblicas.
Em 1997, o NUDEME é extinto e com ele boa parte do debate levantado. Por outro lado, os problemas de falta de moradia e de oportunidades para se morar, se avolumam. Não só este órgão é extinto, mas o trabalho profissional ligado à Coordenadoria de Assuntos Comunitários nesta área também, desmantelando as políticas baseada em critérios profissionais neste órgão da UFOP.
Alguns dos problemas existentes no campo da moradia estudantil se devem em parte pela desativação deste órgão aliado à falta de debate institucional sobre o tema, seguido da desmobilização estudantil nestes últimos anos.
A moradia feminina e as repúblicas em Mariana continuaram nestes últimos anos sem nenhum trabalho para seu crescimento. Em Mariana o número de candidatos a uma vaga é tão drástico que muitos estudantes permanecem por um ou mais semestres residindo na sala da casa. Quanto às repúblicas femininas, continua sendo obrigação de suas moradoras se submeter às repúblicas particulares ou casas de pensão devido ao baixo volume de moradias destinadas a estudantes do sexo feminino.
Por outro lado, a especulação imobiliária é um outro fator que deve ser urgentemente discutido pela UFOP. Há o interesse direto de se criar uma imagem negativa de suas repúblicas públicas para executar a prática do aluguel de casas e de quartos para estudantes. Os cartazes oferecendo este tipo de moradia quase sempre trazem alguma mensagem de desagravo às repúblicas tradicionais.
A luta para continuar e garantir a autonomia é outra questão de pauta atualmente. Algumas casas estão transformando o seu sistema de propriedade, com a criação de entidades paralelas e hierarquizando alguns mecanismos de gestão, perdendo desta forma seu caráter público e se apoiando em entidades privadas sem fins lucrativos. Algumas destas casas estão onerando os seus custos, imaginando estarem tornando-se autônomas financeiramente, pagando despesas em separado, que outrora eram pagas por recursos públicos. Desta forma, os que moram assumem encargos que não garantem a permanência da casa como pública e nem permitem a utilização de muitas casas por alunos carentes.
Em 1997, os estudantes da república Arcádia, particular, ocupam um imóvel da UFOP, desocupado. Durante as negociações, resolvem ceder com uma promessa de se ter a uma casa cedida posteriormente pela Universidade, o que ainda não aconteceu.
As propostas sobre a moradia estudantil apresentadas recentemente por dois líderes universitários candidatos a Reitor foram:
a) construção de novas casas;
b) instauração da bolsa-moradia, uma espécie de crédito educativo de repúblicas.
3) TRADIÇÕES
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As repúblicas se definem por seu caráter permanente, pois não há dissolução da república após a formatura dos estudantes, mas a continuidade por outros estudantes, que recebem essa tarefa como compromisso e confiança perante os que passaram. Por outro lado há a visita permanente de ex-alunos, principalmente em períodos como o 12 de outubro (na maioria das repúblicas) ou 21 de abril (repúblicas do Campus do Morro do Cruzeiro), onde se estabelecem os laços mútuos, sentimentais e muitas vezes profissionais (ocorre o primeiro contato, um estágio ou um emprego).
Durante cada semestre são realizadas escolhas de novos moradores através de reuniões e votações pelos veteranos, cujos critérios são o convívio positivo com todos os moradores, o compromisso em cuidar da casa etc. Entre os moradores há uma solidariedade alta e protecionismo freqüente.
Os “finários” das repúblicas são coleções de provas ou exercícios corrigidos, guardados com todo o cuidado no interior destas casas, nem sempre com muita organização. São sempre bem usados com os professores que repetem os trabalhos das disciplinas todos os semestres, e não raro repetem os mesmos exercícios nas provas.
A liberdade individual das repúblicas é respeitada desde que os moradores respeitem as regras coletivas. Em algumas situações a questão individual é superada pelas coletivas, que determina, por exemplo, sair juntos, ver televisão, ir às festas.
Um aspecto a ser ressaltado em relação à maioria das casas é o baixo custo das repúblicas estudantis públicas, embora algumas repúblicas estejam aumentando bastante o seu custo através de um padrão elevado de consumo, que supera várias repúblicas particulares que pagam aluguéis.
“Escola de vida”, o termo que muitos ex-alunos referem-se às repúblicas e às experiências que vivenciaram nestas. Um autor de pesquisa na UFOP disse recentemente:
“Se a gente aprende convivendo com o outro, e se é verdade que a gente sabe quem é, a partir das opiniões que os outros emitem sobre nós, a república é exatamente o lugar privilegiado e o lugar exato onde acontece o conhecimento de nós mesmos (...) A oportunidade de todos os dias deparar-se com a diferença, todos os dias receber a opinião do amigo, do colega, de construir uma imagem melhor de si”34.
As repúblicas de Ouro Preto possuem uma linguagem própria, um vocabulário diferente35, que é reconhecido por todos os republicanos. Exemplos: cochambrado (aluno pouco zeloso com os estudos), kamofa (“menina fácil”), ferrar (estudar) etc.
A vida em república se resume a uma luta diária. É luta para se manter e acrescentar à sua estrutura herdada. É luta de cada morador para conquistar a confiança, seu espaço e reconhecimento junto aos demais colegas. De buscar ao mesmo tempo um espaço de lazer e de estudo, de vivenciar e aprender um pouco com aquele com que contracena diariamente, tanto com seus próprios pares, com o amigo de seu amigo, com aquele ex-aluno que passa pela casa de vez em quando ou com aquela turista que sempre visita a casa.
34 Professor Jaime Sardi durante discurso em uma festa de República no mês de setembro de 1999.
35 Ver as “gírias estudantis da UFOP” nos anexos deste livro.
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Morar em uma república é deixar a solidão e o individualismo para fazer se passar junto ao outro. Isto se expressa em pequenas atitudes no dia-a-dia, que se aprende como recolher a roupa do colega ausente da casa quando caí a chuva, a dar os recados recebidos, responsabilizando-se assim também pela vida do outro, ou de ter um empenho maior para sempre almoçar juntos com os colegas, representando algo que as famílias mais tradicionais tentam continuar e nem sempre conseguem. Este compromisso e responsabilidade com o colega é o maior bem que as repúblicas tradicionais produzem.
Quanto aos ex-alunos, muitos voltam, revivenciam seu tempo de estudante, pois reencontram seu velho espaço. A casa está no mesmo lugar, seu quadro de formado na parede, seu antigo móvel na parede ou mesmo um mínimo sinal de sua presença na casa, além do reencontro com os velhos amigos, principalmente nas festas tradicionais.
As repúblicas de Ouro Preto, através da conservação de seu patrimônio, de seu espaço físico, criaram e formularam estratégias de rememoração ou intercâmbio entre os diversos tempos e pessoas com festas que permitem a um ex-morador, por exemplo, perguntar ao morador que acaba de entrar para a república se existe alguma mudança na casa e quais.
A república como primeira casa da vida do universitário ou da saída de sua terra natal, aliada à conservação do espaço, de memórias e do tempo é algo fantástico em Ouro Preto.
Esses traços definidores são gerais, embora algum item não pode-se encaixar em alguma república. Há repúblicas tradicionais que não “atualizaram”, por exemplo, seu sistema de trotes, ou outra que manteve um ideal de não formatar o comportamento do morador, que se tornou algo presente na república desde o seu início.
A) FESTAS
O 12 de Outubro36
A conhecida Festa do 12 é comemorativa do aniversário da Escola de Minas de Ouro Preto, fundada em 12 de outubro de 1876 por Henri Gorceix, com o apoio de Dom Pedro II.
Essa comemoração se resume a uma confraternização de aluno e ex-alunos no interior das repúblicas, um baile no Centro Acadêmico da Escola de Minas (CAEM) e homenagens àqueles que se formaram há 25 e 50 anos pela Escola.
Esta festa acontecia através do convite às moças (turistas, que geralmente eram de colégios de Belo Horizonte), que vinham geralmente acompanhadas de uma professora. Arranjar casas vazias, limpá-las, contratar uma orquestra (em Belo Horizonte ou no Rio de Janeiro) e imprimir os convites nas gráficas da Escola eram os principais trabalhos preparativos empreendidos pelos estudantes.
O que acontece dentro das repúblicas neste período vem de um empenho de jovens estudantes que, com toda organização e criatividade, oferecem aos ex-alunos e familiares um
36 Sobre esta festa utilizei-me basicamente de minhas conclusões publicadas no artigo intitulado “A Festa Continua”, no Jornal O Tempo, em 10 de outubro de 1999, que contou com a colaboração dos ex-alunos da República Aquarius, Baé e Join..
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ambiente propício para a rememoração dos tempos de estudante, compartilhando o modo de vida dos atuais estudantes, consolidando novas amizades com os moradores da casa que um dia foi seu hábitat e que consideram aquela a melhor época de suas vidas.
Nas ruas de Ouro Preto, pelo contrário, a festa não é organizada, as manifestações são mais espontâneas, não existindo limites para a poluição sonora, visual e de qualquer outro tipo. Portanto, qualquer visitante, passeando pelas ruas da cidade numa manhã após a Festa do 12, com toda certeza considerará uma ofensa àqueles que possuem uma consciência de preservação.
Assim como a Festa do 12, as de aniversários de repúblicas também possuem um significado importante: a rememoração dos feitos dos seus moradores, com a presença para uma conversa, com bastante cerveja, churrasco e amigos. As repúblicas oferecem homenagens aos seus ex-alunos mais antigos.
Carnaval
Como festa tradicional brasileira, o carnaval em Ouro Preto é animado através das repúblicas que recebem seus convidados para passar esta data, que além do pagode, existem blocos que partem diretamente das repúblicas como o do Caixão (que sai da República Necrotério), Mesclado, Pirata (da República Nau sem Rumo) e Lajes, com a participação de repúblicas destas regiões.
Um dos principais blocos da cidade de Ouro Preto e o principal entre os estudantes é o Bloco do Caixão, que “começou de uma brincadeira entre os moradores da República Necrotério, que saíram pelas ruas carregando uma caixão de verdade, em 1966” (ROSA, 1998, p. 110) 37.
É basicamente neste bloco que muitas repúblicas participam mais ativamente dos festejos carnavalescos, inclusive, levando suas bandeiras ou vestindo camisas de suas república, que seguem sem muito brilho em relação à Necrotério, que vai à frente em destaque com sua bandeira, que é a própria do Bloco. Porém, o que caracteriza o Bloco do Caixão são suas roupas e adereços:
A fantasia é roupa preta e os adereços, cabelos pintados com cores berrantes, perucas, pinturas nos rostos, bocas pretas com sangue escorrendo, etc. A indicação principal é a camisa do bloco, sempre preta, mas a cada ano com uma arte diferente, desenhos de caveiras, caixões, etc., sempre em alusão ao nome do bloco (idem).
21 de abril
O 21 de abril é marcado todos os anos por duas festas distintas, mas grandiosas. A primeira corresponde ao aniversário de várias repúblicas da região conhecida como Morro do
37 Um interessante sobre o carnaval de Ouro Preto, enfocando dois de seus blocos, Bandalheira e do Caixão, foi empreendido pela Professora Maria Cristina Rosa, do Departamento de Educação Física da UFOP, com sua dissertação de mestrado “Inter-relações de turistas e moradores: um olhar através das manifestações corporais no carnaval de Ouro Preto”, defendida em 1998 no Curso de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Cruzeiro, pois foram fundadas aproximadamente neste período. O aniversário destas casas é marcado com uma festa de confraternização entre os seus moradores e os seus ex-moradores (ou ex-alunos) e familiares, com a presença de convidados, que são afins das casas. Durante este feriado, um almoço é servido, juntamente com churrasco e cerveja durante todo o tempo. Para estas repúblicas, o seu significado é semelhante aos das repúblicas que comemoram o 12 de outubro, bem mais famoso, porém tão importante e festivo como esta festa, que não atrai tantos turistas como o 12.
A Segunda trata-se de uma festa oficial que ocorre na Praça Tiradentes, com a entrega de medalhas de Mérito O Inconfidente. O oficialismo é presente, pois há um ato simbólico de transferência da Capital do Estado de Minas Gerais para Ouro Preto durante um dia. A coordenação do evento é do Governo do Estado, que entrega medalhas às “personalidades” que se destacaram em todos os campos no ano anterior com a presença do seu Governador, seus secretários, deputados, ministros de Estado, militares e outros políticos.
Geralmente o palco fica junto ao Museu da Inconfidência e há um cordão de isolamento na Praça Tiradentes, com apenas a cessão de um pequeno espaço para o público, perto dos muros da Escola de Minas. As manifestações eram freqüentes, porém, atualmente, com o governador Itamar Franco concentraram-se as solenidades em um protesto ao Governo Federal, reabrindo uma posição de oposição do Estado de Minas pelo seu Governador. Então, desta forma, soube captar apoio popular dos sindicatos, estudantes e outras categorias para que, juntos na Praça, fizessem este ato de repúdio as políticas federais.
Um fato curioso ocorreu antes do ato na Praça neste ano: uma caminhada entre o observatório astronômico da Escola de Minas e a Praça Tiradentes aconteceu, abraçados Itamar Franco, o vice-governador Newton Cardoso, Lula, O Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) José Dirceu e Hélio Costa, entre outras figuras, que foram recebidos ao entrar na Praça pela música de Geraldo Vandré “Pra não dizer que não falei das flores”. Estranhamente, canções, pessoas e circunstâncias se encontraram em um ato de profundo mau gosto realizado ali.
Por outro lado, nos anos anteriores, com um outro governador, aliado ao Governo Federal, os protestos aconteceram e a repressão também. Nos últimos anos, em atos de protestos contra a privatização da empresa Vale do Rio Doce, a nova lei de educação ou a política nacional, um cordão de isolamento era colocado de toda forma, em boa parte, composto de soldados da tropa de choque da Polícia Militar, colocando os populares ou os manifestantes em um pequeno espaço, próximo à Escola de Minas, com um som instalado em plena estátua de Tiradentes, com seus alto-falantes apontados para este espaço, misturando um som que ia dos clássicos às músicas axé da Bahia.
Assim, a praça que deveria ser do povo, é da elite, com os seus seguranças, em uma solenidade cujo povo parece inexistir.
Festival de Inverno
O Festival de Inverno é uma das grandes atrações nas repúblicas estudantis no mês de agosto. Além de receberem participantes das oficinas, turistas, estudantes de outras
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universidades para prestigiar o evento, possibilitam com um certo conforto a permanência destas pessoas que diariamente podem trocar informações, amizades e opiniões entre si e com estudantes.
Criado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), promoveu 31 festivais até 1999. Com o nome consolidado como Festival de Inverno da UFMG, contou sempre com o apoio da Prefeitura Municipal de Ouro Preto e da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). No ano de 2000 não teve como promotora a UFMG, que depois de não acertar com Ouro Preto a viabilização deste Festival aqui, transfere, infelizmente, em definitivo, seu Festival para a cidade de Diamantina.
Festas juninas e julinas
Nos meses de junho e julho são realizados estas festas tradicionais pela repúblicas, que tentam repetir os mesmos trajes, comidas e apetrechos da festa brasileira.
Semana Santa e Feriados
Neste período, alguns estudantes viajam, enquanto outros ficam em Ouro Preto para descansar, estudar ou receber turistas que chegam à cidade em busca de descontração ou de festas. Sem interferir nas festas religiosas na cidade, as festas particulares nas casas são comuns, pois quase sempre se pode contar com a presença de um ex-aluno, que ajuda a cobrir as despesas deste final de semana.
Bares
Na década de 40 os estudantes freqüentavam o cafezinho do Bordoada, o Bar do Januário ou realizavam suas festas particulares. Se restringiam, também, ao Centro Acadêmico ou todos estes lugares juntos.
Atualmente, os bares da Rua Direita, Barroco e Satélite, são bem freqüentados, como o do Tio Orlando, do seu Luiz, na Xavier da Veiga, o Pastelzinho, na Rua São José, ou alguns poucos conhecidos na cidade, da mesma forma, bastante freqüentados pelos estudantes. Os que possuem mais condições, vão a Lavras Novas e Chapada, que têm ótimos estabelecimentos neste ramo. O CAEM continua a ser o principal ponto de encontro dos estudantes em Ouro Preto.
Outras festas tradicionais que precisamos mencionar, por exemplo, é a festa da Vila dos Tigres, que envolve as repúblicas daquela região. “Uma festa e tanto”, da república Tanto Faz, já tradicional, também, e a festa da Cachaça, que está em sua primeira versão e sob a responsabilidade da Repúblicas dos Deuses, também apontam para uma outra tradição de festas pagas em Ouro Preto.
b) Relação com a Comunidade
cumadres
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As “cumadres” são as verdadeiras “mães” dos estudantes. São contratadas pelos moradores para realizar as tarefas domésticas. A cumadre é quem levanta os dorminhocos pela manhã, que aconselha os estudantes sobre a sua vida.
Alguns repúblicas possuem cumadres com até 20 ou mais anos de serviços dentro das casas. O amor entre os estudantes e as cumadres é representado pela sua valorização, gratidão e sentimento de carinho que mantêm com elas. A presença de cumadres é tradição apenas nas repúblicas de Ouro Preto.
Lavadeiras
Assim como as cumadres prestam um serviço e atenção aos estudantes. Não são consideradas, assim como as cumadres, apenas prestadoras de serviços, mas peças importantes da vida do estudante.
Vizinhos
Os vizinhos das repúblicas são outra categoria de pessoas que representam em sua vida em conjunto com a comunidade. Os pequenos favores mútuos e a segurança passada pelos estudantes em qualquer emergência são fatores importantes de serem mencionados. Ainda é comum, embora com menor freqüência, os convites para almoços ou jantares de ambos os lados. Em relação aos vizinhos, está ocorrendo atualmente algumas poucas reclamações quanto ao barulho vindo de algumas repúblicas.
Pedreiros e funcionários da Universidade
Os funcionários da Universidade são valorizados pelos estudantes, pois auxiliam sua vida curta de universitário. Os pedreiros que faziam manutenção ou reformas nas casas eram bem recebidos pelos estudantes, também, em outras oportunidades, como nas festas. Alguns funcionários são muitos próximos dos estudantes, pois se esforçam ou entendem melhor os estudantes. Para estes, o espaço e a presença é igual ao de uma pessoa próxima, com muitas afinidades.
Comércio
Os estudantes são um dos grandes consumidores da cidade de Ouro Preto e Mariana. Desta forma, como todo cliente, relacionam-se com os comerciantes da mesma forma que os
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nativos, ou seja, as pessoas da cidade. É comum a abertura de contas, e destas, uma maior compreensão nos seus atrasos.
Atividades da UFOP na relação em prol da Comunidade
Escritório-Piloto
O Escritório-Piloto da Escola de Minas é a primeira atividade extensionista da Universidade Federal de Ouro Preto. A ele está subordinda a responsabilidade de cursos exclusivos para a comunidade de Ouro Preto ou a realização de projetos de intervenção na área de Engenharia em Ouro Preto. Seus cursos principais são: supletivo, soldagem industrial, curso geral de obras e lapidação. Desta forma, além de formar ou capacitar profissionais para a cidade, abriu um primeiro canal para este contato com a comunidade, que passa a reconhecer a Universidade como peça importante de seu desenvolvimento.
Segundo Geraldo Baldi (o Geba), que acompanhou os primeiros passos deste trabalho, o Escritório-Piloto nasceu em 1979:
Existia o Escritório-Piloto que fazia um trabalho de base. Foi em 1979, quando houve uma chuva contínua de três meses. Os morros e os barrancos cederam, por ser a região composta de filito. Nessa época, os morros já estavam sendo ocupados pela população. Eles tiraram aquela crosta, aquela canga, que era uma crosta dura que tinha em cima dos morros. Eu tenho as fotografias da época. Não tinha tanta casa. Depois o cara ia fazendo a casa dele, a água infiltrava, entrava no meio das camadas de filito e escorregava todo esse negócio pra baixo. Três meses de chuva, em 79, sem parar. Então, não houve muitas mortes e umas duzentas pessoas desabrigadas. Isto levou o Roberto Ridugrin, não sei se à época ele já era o Presidente do D.A. ou não, ele fez, ele montou o Escritório-Piloto, que era o pessoal da Engenharia Civil. Esse primeiro, o curso de mestre-de-obras, e esse, o curso, o que eles fizeram. Eles já aproveitaram o curso, que tinham um monte de mestres de obras e já fizeram as casas aqui na Bauxita, do lado do Campus, aqui. Eram os “flagelados”, a Vila dos Flagelados (...) que foram casas boas, feitas em mutirão, mas um mutirão, com engenheiros, mestres de obras e um curso de uma Escola de Engenharia por trás, que eram os estudantes. O Escritório-Piloto, a proposta dele era voltada para a população. O Escritório-Piloto pretendia, claro, dar um incentivo ao estudante na relação com o mestre-de-obras, pedreiro, carpinteiro e outros cursos. (...) Eu participei do curso de garimpo.
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Geba aponta, também, e com bastante precisão, sobre o primeiro vínculo existente entre a Universidade e a comunidade: “a primeira relação que existiu entre a Universidade e a comunidade foi a república, afetiva”.
Campanha solidariedade Ufopiana
Realizada a partir de 1996, sob a organização de moradores da República Aquarius, teve como objetivo envolver todas as repúblicas na UFOP para que doassem uma cesta básica de alimentos, no período do natal, às famílias carentes. Os alimentos arrecadados e roupas foram entregues à Sociedade São Vicente de Paula para distribuição, pois esta entidade trabalha com um cadastro de famílias carentes.
c) Campeonatos
- Pif-Paf;
- Castelão;
- Bêra-Bosta;
- Campeonatos de Repúblicas.
Outros esportes podem ser mencionados, como outros campeonatos. Um esporte que tinha bastante difusão por aqui, como o xadrez, com um grupo consolidado, foi inclusive campeão brasileiro no ano de 1983, em Florianópolis, através de Enzo Vieira Lessa (República Xeque-Mate) e Geraldo Alves (República Jardim de Alá), juntamente com Marcelo Ribeiro.
d) trotes
A batalha de vaga38 em uma tradicional república significa mesmo batalhar por alguma coisa. Não é apenas um quarto, um espaço para se alimentar, dormir ou descansar ou um punhado de móveis próprios da república: é a amizade dos colegas ou de ex-alunos. Batalha-se vaga, pois ao final do semestre há uma votação entre os moradores para que ocorra a “escolha” daquele novo morador.
Então, neste período de adaptação do calouro, os trotes praticados são comuns, como o corte de cabelo, carregar uma placa, fazer pequenos favores aos moradores e, principalmente, auxiliar nos serviços da casa. O compromisso com as atividades da casa é fundamental para que o calouro ou “bixo” tenha a simpatia dos outros moradores. Um dos primeiros trotes que os bixos passam ocorre no Centro Acadêmico da Escola de Minas, o Miss Bixo, quando todos os calouros desfilam como mulheres.
38 Sobre a batalha de vaga ver o importante depoimento do Senhor Aziz Assi neste capítulo.
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e) Músicas39
A musicalidade está presentes nas repúblicas. As serenatas, as batucadas, as boates, enfim, toda a composição musical para as festas. É comum a referência aos ex-alunos músicos como João Bosco, Tunai, Rubinho do Vale, entre outros.
O Coral de Ouro Preto foi uma das atrações importantes no campo musical, pois além de manter em sua composição estudantes da Escola de Minas, estudantes do Colégio Normal, as normalistas, ou pessoas da comunidade de Ouro Preto, fizeram diversas apresentações fora de Ouro Preto. Mesmo com uma vida curta, de 1958 a 1963, arrematou importantes prêmios, como em 1961, como o melhor coral do Brasil, concedido no Rio de Janeiro pelo Jornal do Brasil. Além disto, é bastante reconhecido por vários músicos, compositores ou importantes intérpretes, como Milton Nascimento, Doryval Caymmi ou João Bosco. E tudo sem patrocínios importantes.
Da mesma forma, há inspiração de uma música de Beto Guedes no nome da República Lumiar, que possui esta música como hino.
Um fato curioso refere-se à música “olhando pela janela”, de autoria de Lô Borges e Fernando Brant. O local de inspiração ou de composição desta música é remetida às vezes para a República Consulado, que inclusive ainda é comum tal referência, pois o local oferece todos os cenários que a música passa, exceto o farol, é claro. Desta forma, publicamos na Terceira Parte deste trabalho um texto de um dos autores desta música, que esclarece a questão.
e) Amizade
A amizade é um dos valores presentes na vida em república. A chamada “máfia” de Ouro Preto, ou seja, o arranjo de oportunidades para os que daqui se formam é sempre uma prática adotada pelos ex-alunos. Em vários depoimentos, como poderão acompanhar em todo o livro, esta “máfia” se deve à amizade criadas nas repúblicas. Quebrar o individualismo, a presença de personalidades contraditórias e mesquinhas, é sempre um dos objetivos das repúblicas, embora nem sempre todas as casas conseguem. O limite da perfeição só ocorre até um espaço. Depois deste, as casas são iguais as de família.
A amizade com os vizinhos e com pessoas de outras repúblicas, tornam as repúblicas centro de referência em se tratando de amizades.
As turistas incluídas como amigas das casas são suas freqüentadoras garantidas e chegam inclusive a causar inveja a algumas moças da cidade. Desta forma, conhecer Ouro Preto para o estudante às vezes não se daria sem a presença destas turistas, que convidam o estudante para visitar algum ponto da cidade.
Sobre as turistas, existe uma peça do Teatro do 12 da Escola de Minas, escrito por Kléber Farias Pinto e David Dequech, para “pregar uma peça” em algumas turistas que ficaram insatisfeitas durante a sua estadia em Ouro Preto, datada datada de 1952.
39 Sobre as músicas em repúblicas e outros aspectos relacionados à musicalidade e outras artes, consultar a TERCEIRA PARTE deste livro, que é toda dedicada à cultura.
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4) ALGUNS PEQUENOS DEPOIMENTOS SOBRE AS REPÚBLICAS
Uma primeira me parece fundamental - na república aprendemos a viver e a trabalhar em equipe e de uma forma fraterna. E isso me parece fundamental, porque ninguém vive sozinho. Além disso, ter espírito de equipe no mundo de hoje é básico. Numa república de estudantes você aprende a respeitar as opiniões das pessoas, a conviver com as diferenças e a argumentar, porque esse é um ambiente realmente democrático.
Ali ninguém é superior a ninguém. Então, você tem que procurar defender seus pontos de vista com respeito, para viver em harmonia com pessoas que têm formações, histórias e visões muito diferentes umas das outras. E isso eu considero uma base importantíssima da nossa formação para a vida e para a profissão, porque ao longo da nossa trajetória vamos enfrentar desafios semelhantes como o de trabalhar e conviver com pessoas também com formação, histórias e visões muito diferentes das nossas. Um outro aspecto importante da vida em república é você construir o seu network de trabalho, uma rede de pessoas com as quais pode contar e trocar experiências ao longo de toda a vida (JOÃO BOSCO SILVA).
Posso dizer que o fato de ter morado quatro anos em uma República estudantil foi uma experiência única em minha vida, principalmente pelos laços de amizade e de solidariedade que existia entre os moradores. Laços que se mantêm até hoje com alguns amigos daquela época (RAFAEL MADALENA).
Ouro Preto tem isso, a gente via que naquela época que as pessoas com poucos recursos conseguiam estudar e formar graças à solidariedade dos outros colegas ( ELI OLIVEIRA).
Numa comunidade dessa como da Aquarius, tanto que uma pessoa ajudava a outra. Às vezes a gente não tinha muita convivência, porque um morava em baixo e o outro em cima, mas a gente sempre participava dessa alegria (CARLOS ALBERTO COSMO).
Quem eu sou? Eu sou um monte de pessoas que passaram por mim. E as pessoas que deram certo, elas deram certo porque outras pessoas deram certo (CELSO MAGALHÃES – JABUTI).
CONFIGURAÇÃO ATUAL DAS REPÚBLICAS
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FEDERAIS
a) Região da Vila dos Tigres: ARCA DE NOÉ – BANGALÔ – CANAAN – CONSULADO – FORMIGUEIRO – PUREZA – REINO DE BACO – SINAGOGA – VATICANO
b) Centro: ADEGA – AQUARIUS – BOITE CASABLANCA – GAIOLA DE OURO – JARDIM DE ALÁ – JARDIM ZOOLÓGICO – MARACANGALHA – NAU SEM RUMO – NECROTÉRIO – NINHO DO AMOR – PULGATÓRIO – QUITANDINHA – REBU –– SNOOPY – TABU
c) Lajes: BAVIERA – FG – MARRAGOLO – TERRITÓRIO XAVANTE – SPARTA – SERIGY - ESPIGÃO
d) Praia do Circo: BEM NA BOCA – VIRADA PRA LUA – BUTANTÃ – CASA NOVA – CASSINO – CHEGA MAIS – VERDES MARES – PIF-PAF – PRONTO SOCORRO – TANTO FAZ
e) Antônio Dias: CASTELO DOS NOBRES – HOSPÍCIO – PATOTINHA – POLEIRO DOS ANJOS
f) Rosário: DEUSES – MARIA BONITA – PENITENCIÁRIA – SAUDADE DA MAMÃE
g) Morro do Cruzeiro: ARTE E MANHA –BASTILHA – CONVENTO – COSA NOSTRA – COVIL DOS GÊNIOS – DOCE MISTURA – QUARTO CRESCENTE – VIRA SAIA – U.P.A (UNIDOS POR ACASO) – OVELHA NEGRA – PALMARES – PASÁRGADA – KOXIXO – LUMIAR – PERIPATUS – SENZALA – TIGRADA
h) Barra: MIXURUCA
h) Repúblicas de Mariana: SÉ – TAQUEUPA – POCILGA – ROCINHA – BUCETA – ZONA
PARTICULARES
ACONCHEGO – AFRODITE – ALAMBIQUE – ALFORRIA – ALQUIMIA – ANONIMATO – AQUI ENTRE NÓS – ARCÁDIA – ARTIGO DE LUXO – ARUANDA – AS INTOCÁVEIS – AS MENINAS – AVALON – BADAUÊ – BALAIO DAS GATAS – BATCAVERNA – BEIJINHO DOCE – BELLADONA – BEM-ME-QUER – BICHO DO MATO – BICO DOCE – BOMBOCADO – CAFÉ COM LEITE – CAIXOTINHO – CALAMIDADE PÚBLICA – CANIL – CANTINHO DO CÉU – CARTEL – CASO SÉRIO – CATIVEIRO – CAVERNA – CHAPARRAL – CIRANDINHA – CLANDESTINA – COINCIDÊNCIA – COLMEIA – CRAVO E CANELA – CRUZ VERMELHA – DAS ZARATHUSTAS HAUS – DE TRÓIA – DEMOCRACK – DESEJO – DEUS NOS ACUDA – DIFERENÇA – DOCE VENENO – DOS ANJOS – DROSÓFILA – ECLIPSE – EMANUEL – EMBAIXADA – EMBAIXADA GOIANA – ENSEADA – ESKANDALO – ETERNIDADE – FAVINHO DE MEL – FEIJÃO COM ARROZ – FEITIÇO – FOI ASSIM – FREUMN – FRUTO PROIBIDO – GIRASSOL – HARÉM – INDIGNAÇÃO – IRA – JÓIA RARA – KAMA SUTRA – KAMBALLAXU – KFOFO – KGB – KOME KETO – LILITH – LUA AZUL – MAKTUB – MANDALA – MARIA MARIA – MASMORRA – MATA VIRGEM – MATERNIDADE – MAXIXE – MELINDROSAS – MENINAS GERAIS – MINAS DAS MINAS – MOITA – MUVUCA – NADAVÊ – NASCENTE – NÓS 3 – NOTRE DAME – NOVOS HORIZONTES – PARAÍSO – PÉ NA COVA – PERDIÇÃO – PERDIDOS NO MORRO –
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QUASE NORMAL – REFUGIADOS – SAIDEIRA – SANTUÁRIO – SEM DESTINO – (10) SEM NOME – SHANGRILÁ – SNOOPY – SOCIEDADE ALTERNATIVA – SONHOS – SOUL DE MINAS – SUSSEGO – TABAJARA – TABERNA – TAN-TAN – TARANÓIA – TERRA DO NUNCA – TOATOA – TOCA DOS MAGOS – TREM DE DOIDO – TROPICÁLIA – 171 FEMININA – 171 MASCULINA – UTOPIA – VOLKANA – VOLÚPIA – XAMEGO – XEQUE-MATE – XILIQ – XODÓ – YELOW HOUSE
REPÚBLICAS QUE NÃO EXISTEM MAIS:
ANISTIA – DOS ONZE – DOS LINDOS – BERCHTESGADEN (DO TEMPO DA II GUERRA, EM HONRA DO REFÚGIO DE HITLER), BAGACEIRA – BABEL – PILAR 27 – BANDEIRANTES – DOS BOTICÁRIOS – DOS GEÓGRAFOS – CLEVELÂNDIA – OCAJARA – SONHO DE VIRGEM – ALAMBICK – ÁGUA NA BOCA – BEM-ME-QUER – BORDEL – MISTURA FINA – BOMBONÍERE – SCORPIONS – SUIGENERES – BERIMBAU – ALCATRAZ – FAVELA – REVERTÉRIO – SEMINÁRIO – SAARA – DOS LORDS – HOSPÍCIO DOS ATEUS – MOBY DICK – VIRTUOSA – CASUARINAS – MANSÃO DOS NOBRES – SAARA – GAFIEIRA – COVIL DOS INOCENTES – CORÉIA – FUZARCA – BURACO QUENTE – INFERNO – DOS BODES – PÓLO NORTE – REVERTÉRIO – FAZENDINHA – TROPICÁLIA –
CONCLUSÃO
Bons temas de pesquisa poderiam ser desenvolvidos sobre as repúblicas, problematizando a forma de aprendizagem dentro destas como:
- Organização centrada na hierarquia, determinada em relações de poder inflexíveis, onde os mais velhos é que ditam as regras, o comportamento dos mais novos, que são moldados e conduzidos para aceitar
- Organização centrada no relacionamento, na troca de experiências e de divisão de tarefas, predominando em um sistema comunitário em perfeita harmonia, onde a hierarquia é quebrada.
Ao final, poderia se responder: a baixa procura pelas tradicionais “repúblicas” de Ouro Preto está sendo resultante de quais fatores?:
1) aumento do poder aquisitivo dos estudantes, que procuram alugar casas ou pagar mensalidades absurdas em quartos de pensão, se estabelecendo em ambientes mais tranqüilos e individualizados;
2) A hierarquia e o apego à tradição, demonstrados em comportamentos e atitudes como trotes ou na repulsa às inovações trazidas pelos novos moradores, estão tornando a intenção de se morar nestas casas algo distante;
3) O crescimento do individualismo entre os jovens no mundo moderno,
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Enfim, aqui é apenas um capítulo provocativo para o conhecimento das repúblicas. A leitura de todo o livro é obrigatória para o seu entendimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATHAÍDE, Tristão de. “Saudação a Ouro Prêto”. In: A voz do GLTA, ano I, n. 7, págs. 1 e 5out/nov. 1965.
BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. Ilust. De Luís Jardim. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1967.
CASTRO, Amilcar Ferreira de. A gíria dos estudantes de Coimbra. Coimbra: Faculdade de Letras, 1947.
DEQUECH, David. Isto Dantes em Ouro Preto; Crônicas. Belo Horizonte, 1984.
LAMY, Alberto Souza. A Academia de Coimbra. 1527-1990. História – Praxe – Boémia e Estudo – Partidos e Piadas – Organismos Acadêmicos. Lisboa: Rei dos Livros, 1990.
MACHADO, Otávio Luiz. “A festa continua”. In: O Tempo, Belo Horizonte, 10 de outubro de 1999.
____. “As repúblicas de Ouro Preto”. In: O Tempo, Belo Horizonte, 17 de março de 2000.
MENICONI, Rodrigo Otávio. A construção de uma cidade-monumento: o caso de Ouro Preto. Belo Horizonte, fevereiro de 2000. (Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais).
RACHE, Pedro. Homens de Ouro Preto (Memórias de um estudante). Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho Editor, 1954.
RACIOPPI, Vicente de Andrade. Estudantes do Rio Grande do Sul em Ouro Preto. Memória Histórica apresentada ao 3o Congresso Sul-Riograndense de História e Geografia Comemorativo do Bi-Centenário de Porto Alegre. Belo Horizonte: Typ. Castro, 1940.
ROSA, Maria Cristina. Inter-relações de turistas e moradores: um olhar através das manifestações corporais no carnaval de Ouro Preto. Campinas, UNICAMP, 1998. (Dissertação de mestrado defendida no Curso de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Estadual de Campinas.
SOARES, Jô. O homem que matou Getúlio Vargas: biografia de um anarquista. São Paulo, Cia. das Letras, 1998.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO. 1) Plano de estruturação e implantação. Diagnóstico. Fundação João Pinheiro, 1975. (Convênio UFOP/FJP; com interferência do DAU).

DEPOIMENTOS UTILIZADOS NESTE CAPÍTULO
- Francisco Faro – Ex-Aluno da Rep. Serigy;
- Aziz Assi – Ex-Aluno da Rep. Formigueiro;
- João Bosco Silva – Ex-Aluno da Rep. Reino de Baco;
- Rafael Madalena – Ex-Aluno da Rep. Zona;
- Celso Magalhães (Jabuti) – Ex-Aluno da Rep. Aquarius;
- Carlos Alberto Cosmo (Buia) – Ex-Aluno da Rep. Aquarius;
- Eli Oliveira – Ex-Aluno da Rep. Maracangalha;
- Geraldo Baldi – Ex-Aluno do Alojamento;
- Walter Von Krüger – Ex-Aluno da Rep. Castelo dos Nobres.

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